O concerto mais longo do mundo está acontecendo há mais de três anos numa igreja abandonada da cidade alemã de Halberstadt, e se tudo correr bem deverá se encerrar dentro de mais 636 anos. Se vocês acham que a música de Philip Glass é monótona e repetitiva, deviam ouvir esta. Em julho passado, os técnicos encarregados de manipular o órgão especialmente criado para esta performance fizeram a última mudança, adicionando mais duas notas ao Sol Sustenido, Ré e Sol Sustenido que vinham sendo emitidos continuamente desde fevereiro de 2003.
Quando eu disser o nome do compositor todo mundo vai matar a charada. Sim, é ele mesmo, John Cage, o compositor de vanguarda que entre outras aparentes excentricidades tem uma peça intitulada “4 minutos e 33 segundos de silêncio”, a qual consiste exatamente nisto. Cage, falecido em 1992, havia escrito esta nova peça com o título “Organ2 / ASLSP” (“Órgão ao quadrado: tão devagar quanto possível”). A expressão “tão devagar quanto possível” é aberta a interpretações, claro. O grupo de musicólogos que decidiu homenagear o compositor acabou fixando em 639 anos a duração total por ser esta a idade do antigo órgão da igreja de Halberstadt. A execução, portanto, deverá ser concluída por volta do ano 2640. O início da peça musical constou de um ano e meio de silêncio, e as primeiras notas só começaram a ser tocadas em fevereiro de 2003. A próxima mudança prevista é para março de 2006, quando duas das notas atuais pararão de ser tocadas.
Diante de uma obra desse tipo, o sujeito só pode mesmo é espernear ou filosofar. Espernear significa dizer que há crianças morrendo no Haiti e no Sudão, ou, se isto não comove mais ninguém, que há músicos desempregados na própria Alemanha, e os 246 mil dólares que são o custo total do concerto poderiam ter uma “contrapartida social” mais palpável.
Filosofar significa encolher os ombros. Gasta-se mil vezes mais por aí com coisas muito mais irrelevantes. Um concerto como este equivale, em escala, a uma catedral gótica, como a de Colônia, que levou 632 anos para ficar pronta. Ou a Bíblia, que levou milênios desde o primeiro rascunho do Pentateuco até a Vulgata de São Jerônimo. Na era do consumo voraz e do efêmero obrigatório, é reconfortante sentir a nossa mente elastecer-se a ponto de abranger a simples idéia de um tal concerto, de uma música que leva 600 anos para ser tocada. Mais do que um concerto de música, o “Organ2 / ASLSP” é um breque filosófico neste tobogã de nossa cultura rumo ao Presente Infinitesimal.
Por outro lado, diz a imprensa que cerca de 10 mil turistas visitaram a cidade entre abril e setembro de 2003, quando as três primeiras notas já estavam sendo tocadas. Vamos colocar então uma média de 20 mil turistas por ano, o que nos daria ao fim do concerto 12 milhões, 780 mil espectadores. Meu amigo! É mais gente do que o da última excursão do U-2. Quem foi que disse que John Cage não é pop?!
Um comentário:
E esse número de pessoas é em um único concerto... :)
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