segunda-feira, 11 de agosto de 2008

0501) O verbo “tradar” (27.10.2004)


(Michel de Notredame)

O verbo “tradar”, inventado por mim, tem conexões mórficas, semânticas e etimológicas com outros verbos de sentido aparentado, como “trazer” e “trasladar”, com os quais partilha a idéia de algo que está sendo transportado de um local para outro. Só que no caso do verbo tradar não se trata de um transporte ao longo do espaço, e sim do Tempo. Tradar significa ter acesso a visões do futuro, mesmo que se trate de um acesso breve, um mero vislumbre de algo incompreensível ou inexplicável.

É um verbo transitivo, que pede sempre um complemento substantivo. Dizemos, portanto, que “ultimamente Fulano está tradando muitas visões”. Tradar é o que os profetas e adivinhos fazem desde que o mundo é mundo. Não me refiro à captação de banalidades do cotidiano, como saber quem vai ganhar as eleições ou se o bicho de amanhã vai ser macaco ou borboleta, mas à captação de macrovisões de conteúdo significativo para um indivíduo ou para a Humanidade.

Um dos grandes tradadores de todos os tempos foi, por exemplo, o apóstolo São João, que num belo dia sentiu-se arremessado à Ilha de Patmos e produziu um dos textos alucinatórios mais impressionantes de todos os tempos: o Livro das Revelações, ou Apocalipse. O profeta bíblico Ezequiel é outro, e suas visões de rodas girando dentro de rodas, das quais brotavam faces de animais e asas de anjos, é um dos mais belos textos surrealistas da literatura – permitam-me esquecer por um instante a dimensão místico-religiosa de tais textos, e vê-los momentaneamente como literatura em si, pura evocação de imagens simbólicas.

O que dizer então dos poemas místico-visionários de William Blake, de Jorge de Lima, de Arthur Rimbaud? Em certos momentos chegamos a vacilar diante da intensidade visual e da ressonância arquetípica das imagens destes poetas, e hesitamos entre a atitude pragmática (tudo é mera imaginação criadora dos autores) e a atitude iniciática: a que tipo de comunicação supra-mental estavam eles tendo acesso?

Não se pense que podem-se tradar apenas imagens de cunho místico. Há uma espécie de cosmovisão sócio-planetária que prescinde da dimensão religiosa. Temos nesse caso as vastas imagens panorâmicas do futuro que geraram a poesia de Walt Whitman, do “Álvaro de Campos” de Fernando Pessoa, e do panteísmo-materialista do nosso Augusto dos Anjos. Todos nós, que através da prática da escrita desenvolvemos essa “Visão Interior”, somos capazes de captar instantâneos fugazes do Futuro em nossas telas mentais. Os mais afortunados (ou os mais competentes) conseguem transformar essas visões em poemas, em contos, em documentos literários como o assombroso Eureka de Edgar Allan Poe, onde o delirante autor descreve sua teoria sobre a formação e a dinâmica interna do Universo, usando até mesmo fatos astronômicos que em sua época não haviam sido descobertos. Todos podemos ser profetas. Eu trado, tu tradas, ele trada; nós tradamos, vós tradais, eles tradam.

Nenhum comentário: