sábado, 26 de julho de 2008

0467) Quero ver o espírito olímpico (17.9.2004)


(Cameron Clapp)

O leitor há de ler este título e estranhar: “Oi, lá vem ele de novo com Olimpíadas! Vire o disco, cidadão! A Olímpíada já acabou!” Ledo engano, meu camarada. Os verdadeiros Jogos Olímpicos começam hoje, dia 17 de setembro, em Atenas, reunindo 4 mil atletas de 144 países para disputar 19 modalidades esportivas. Você vai ver muito pouca coisa na imprensa, mas pasme: há coisas que acontecem de verdade, pertencem ao mundo real, e nunca aparecem no jornal ou na TV! Pois bem: é hoje a abertura dos “Jogos Para-Olímpicos” de Atenas, os jogos para pessoas que portam algum tipo de deficiência. Basquete em cadeira de rodas, atletismo para deficientes visuais, natação para amputados, e assim por diante. Na organização e logística dos Jogos trabalham 35 mil indivíduos, sendo 15 mil deles voluntários.

Numa nota recente no blog “Boing Boing” (http://www.boingboing.net/), o jornalista britânico Stuart Hughes (BBC) registrava o fato de que nenhuma rede de TV dos EUA iria cobrir os Jogos Para-Olímpicos de Atenas. Isto apesar dos 200 milhões de espectadores (e cerca de 60-70 milhões de dólares de lucro) que a NBC teve cobrindo os Jogos Olímpicos recentemente encerrados. A nota do “Boing Boing” era ilustrada com a impressionante foto de Cameron Clapp disputando uma prova de atletismo, com duas pernas artificiais e sem o braço direito. Clapp, um garoto norte-americano de 18 anos, foi mutilado por um trem em setembro de 2001, mas recuperou-se e, com a ajuda de próteses mecânicas, tem participado de vários eventos esportivos. (Vejam as fotos e a história em: http://www.cameronclapp.com/home.asp) .

Por que motivo Jogos Para-Olímpicos não despertam o mesmo interesse que os outros? Mistério. As Olimpíadas nos fascinam por mostrar a nossa possibilidade de superar obstáculos, de ultrapassar limites, de conseguir o que nunca foi conseguido antes. São um espetáculo de afirmação das possibilidades infinitas do corpo e da mente. Ora... então, meus camaradas, por que não democratizar essa admiração? Está uma coisa muito parecida com a democracia ateniense, onde todo mundo era muito livre, todo mundo era artista, todo mundo era filósofo... menos os escravos, que davam duro para sustentar aquele luxo todo.

A verdade é que as Olimpíadas “normais” nos mostram o lado bonito do corpo, e os Jogos Para-Olímpicos nos mostram os dois lados: a força e a fragilidade, a beleza e a feiura, a glória e a tragédia. É um tema pesado demais, e a indústria cultural talvez não esteja preparada para lidar com isto. Melhor fazer de conta que todo mundo é igual, que todo mundo é perfeito, que desgraças não acontecem e não precisam ser enfrentadas. Hollywood até que tem uma tradição de endeusar deficientes mentais (Forrest Gump, I am Sam, Rain Man...) mas a TV americana não quer mexer nessa área sensível: os deficientes físicos. Até mesmo entre os gregos, o único deus coxo foi arremessado para longe do Olimpo e trancafiado num subterrâneo.

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