terça-feira, 23 de dezembro de 2025

5213) Natal 2025 (23.12.2025)




 (by Saul Steinberg) 


... e a Terra dança seu “Danúbio Azul” 
em torno ao Sol, girando em rodopio, 
ano vai, ano vem, tecendo um fio
de memórias que levarei comigo
na neblina final para onde sigo
e onde a música toca das esferas.
Era uma vez... era outra vez... e as eras
tornam-se um ser rimado e recorrente
encorpando o novelo do presente
no acalanto de um som que se repete. 
 
Mas no Sertão só chove canivete!
“Fé seca,” (disse alguém), “faca molhada”.
Tem uma cruz em cada encruzilhada
e um rosário de flores ressequidas.
Neste game, nos sobram zero vidas,
num cenário de tolerância zero.
Foi tanto jogo que eu burnei no Nero,
tanto CD queimado na madruga,
escape virtual, rota de fuga,
utopias de um mundo ao meu comando... 
 
Por isso leio, escrevo, e ardo, e ando,
pisando os pixels da Realidade.
Um Sertão feito em bytes. E a cidade
reduzida a geléia de algoritmos...
Quem nos salva? O Deus Pan. Tambor de ritmos,
flauta de esgotos, lira paulistana,
viola enluarada, sambaiana,
partido-alto ao som de uns 8-baixos,
frevo-jazz sacudindo os populachos,
cambalhota feliz dos corpos livres... 
 
E assim eu lanço ao mar meus bateaux ivres,
em busca aos arquipélagos do espaço
(e aqui na veia o sangue marca o passo
ao som sempre feliz de um Vassourinha).
A música é de todos. E é só minha
na hora em que me deixo possuir
e a melodia rege o meu sentir
e a levada me leva e traz de volta
e o bombo ora me agarra ora me solta
e eu penso apenas: “sei dançar ainda”. 
 
Tudo é Bahia, quando eu danço; e Olinda,
tudo é Suvaco, é Circo Voador,
roda-de-samba à Rua do Ouvidor,
Parque do Povo em coco de Biliu...
Canta, pedra do chão. Canta, Brasil.
Diz por quem dobram os teus jingle-bells,
para quem crescem teus arranha-céus,
para onde vai a Nau dos Insensatos
com seus porões de moscas e de ratos
à procura de um novo continente... 
 
Toca então teu Natal, harpa plangente,
e que algum deus dedilhe os teus bordões
como a agulha à espiral extrai canções
no milagre high-tech da vitrola...
Que venha o vinho, espume a Coca-Cola,
vamos brindar, beber, dançar cantando,
e que este cheiro de batata-assando
seja apenas detalhe culinário...
É Natal!... Que se dane o calendário,
que se dane a contagem regressiva! 
 
Quero sentir o mundo em carne viva,
em nervo exposto, em fio descoberto...
Quero ser Odisseu: ligado, esperto,
o que no mais aceso desta luta
“delibera, depois quer, e executa”,
como dizia Augusto no Pau d’Arco...
Quero poder curvar meu próprio arco
e que as setas disparem-se sozinhas
tal qual vão se ordenando estas dez linhas
sobre o alvo das páginas em branco. 
 
O ano acaba... e busco outro ao banco
que nos empresta sonhos e futuros
e os cobrará quem sabe com que juros
mas tanto faz; vem tudo no contrato.
Eis o vinho na taça, o pão no prato,
no rosto o riso, uma canção no peito,
e o peito aberto, e o que vier, aceito...
É Natal! – e lá fora ergue-se um canto,
“abro as janelas, pálido de espanto”,
e escuto a Lua me cantando um blue... 
 






 
 





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