De 15 de março próximo, indo até 17 de maio, estarei ministrando
um curso sobre a obra de Guimarães Rosa e o livro Sagarana (1946). Será um curso online via Zoom – acessível
portanto, para leitores rosianos de todo o Brasil, e do mundo!... – todas as
quartas-feiras, das 19 às 21 horas.
Há mais de 15 anos que ministro cursos e oficinas através
do Instituto Estação das Letras (Rio), dirigido pela minha amiga, a
poeta Suzana Vargas. Já ministrei cursos de poesia, de conto, de ficção
científica, leituras orientadas... O mais recente foi em 2021, Lendo Borges e Cortázar.
O curso é pago (eu vivo disso), e mais detalhes podem ser
obtidos pelo telefone do IEL – (21) 99127-4088, ou pelo email iel@estacaodasletras.com.br
.
Dito isto, vamos ao assunto em si. Por que Sagarana?
Quando um autor se torna um clássico e tem uma obra
relativamente grande, densa, importante, as pessoas que se aproximam da obra
dele pela primeira vez procuram em geral a sua obra mais famosa, a que fez mais
sucesso, ganhou mais prêmios, foi mais estudada, recebeu mais elogios...
Às vezes essa “obra máxima” é também a obra mais difícil
do autor. Aquilo que alguns críticos chamam “o pináculo”, o ponto mais alto do
que ele escreveu. E nem sempre a subida até lá é fácil.
Autores complexos requerem uma aproximação gradual. Isto não
é uma regra universal (não existem regras universais), mas ajuda.
Eu pergunto: por que chegar à obra de (digamos) James
Joyce entrando de cara no Ulisses (1922),
um livro muito difícil, quando a leitura dos contos de Dublinenses (1914) ensinaria muitíssimo sobre o autor, seus temas,
sua linguagem, seus personagens, sua visão das coisas? Chegando ao Ulisses, depois, metade das questões já
estariam resolvidas.
Há leitores que tentam conhecer Julio Cortázar pegando o
“tijolo” que é O Jogo da Amarelinha
(1963), um livro fascinante mas um tanto desorientador para quem não conhece
nada do autor. Uma aproximação gradual através dos contos dele seria uma boa
transição: livros como Bestiário (1951),
Todos os Fogos o Fogo (1966) ou Final de Jogo (1956) etc. cumpririam bem
este papel.
É mais ou menos o que se coloca com Guimarães Rosa.
Conheço pessoas que já tentaram ler o Grande
Sertão: Veredas (1956) duas ou três vezes e não avançaram. Sei demais como
é. Eu tentei umas cinco vezes, e só consegui devorar o livro depois de ter lido
quasse todos os outros.
Um leitor jovem, de hoje, já cresce sabendo que Rosa é “um
dos maiores escritores brasileiros de todos os tempos”, e blá-blá-blá. E que
tem fama de “autor difícil”. Sua literatura é muito pessoal, e surpreende até
quem já leu ensaios sobre ele, quem já viu suas histórias no cinema ou na TV,
quem leu resenhas e artigos sobre seus livros.
Sagarana (1946)
é seu livro de estréia, publicado quando Rosa tinha 38 anos e era totalmente
desconhecido. É um livro espontâneo, torrencial, com contos extensos, e ao
mesmo tempo um livro destilado e refinado durante muitos anos. É o livro em que
Guimarães Rosa tornou-se escritor.
Fernando Pessoa disse, pela voz de Ricardo Reis: “Tornar-te-ás só quem tu sempre foste. O que
te os deuses dão, dão no começo”.
Guimarães Rosa já nasceu ele mesmo com seu primeiro livro; está tudo
ali. Paisagem, linguagem, personagens; a fauna, a flora e a metafísica; a
violência, o amor e o bom-humor; o sertão, o caos e o cosmos.
Claro que houve evolução e aprofundamento, principalmente
para conduzi-lo ao “Ano Miraculoso” de 1956, quando ele jogou no colo do povo
brasileiro, com poucos meses de intervalo, as 822 páginas de Corpo de Baile e as 571 do Grande Sertão. Mesmo assim, acho que Sagarana representou o processo íntimo em que o escritor criou sua
“régua e compasso” para produzir tudo que veio depois.
O nosso plano de leitura é acompanhar o livro do jeito
que ele se organiza, com seus nove contos.
15 de março – Introdução a J.
G. Rosa, a pessoa e o autor
22 de março – “O Burrinho
Pedrês”
29 de março – “A Volta do
Marido Pródigo”
5 de abril – “Sarapalha”
12 de abril – “O Duelo”
19 de abril – “Minha Gente”
26 de abril – “São Marcos”
3 de maio – “Corpo Fechado”
10 de maio – “Conversa de
Bois”
17 de maio – “A Hora e Vez de
Augusto Matraga”
Uma semana de intervalo é tempo bastante para ler ou
reler cada história. Além disso, uma aula perdida por um imprevisto pode ser
vista depois em gravação, e geralmente eu e os alunos criamos um grupo de
mensagens para trocar impressões, responder perguntas, etc.
Guimarães Rosa produziu um impacto muito grande com sua
estréia literária. Era um completo desconhecido que foi capaz de amadurecer em
silêncio, discretamente. E estreou já demonstrando ser um dos nossos melhores
contistas.
Um crítico criterioso como Wilson Martins chegou a duvidar
se ele seria capaz de produzir um romance à altura dos seus contos. Disse ele, em
1946, após a leitura de Sagarana:
Um escritor que em seu primeiro livro nos apresenta qualidades incomuns
de ficcionista, que foi capaz de criar um estilo próprio de redação e de
narrativa (o que é de importância substancial no conto), dotado de raro poder
expressional e de uma capacidade de transmitir a emoção que atinge os pontos
mais altos, que realiza uma verdadeira revolução no conto brasileiro sem adotar nenhum dos
truques literários que estão à base da maior parte de tais revoluções – poucos nomes
conheço na literatura brasileira do passado e do presente que reúnam tal
conjunto de qualidades literárias como as que distinguem o Sr. J. Guimarães
Rosa. (...)
Nada sei do Sr. Guimarães Rosa: nem a sua idade, nem as suas atividades
possíveis fora da literatura, nem a sua formação cultural e educacional – não possuo
nenhum daqueles elementos biográficos que tanto ajudam o crítico na
interpretação de uma obra. (...)
Esse poder de ficcionista, de pôr de pé homens
e animais, de nos mostrar a vida em toda a sua plenitude, o Sr. Guimarães Rosa
demonstra possuir com abundância e facilidade.
É um livro que resultou de muita vivência, muita empatia
e muito trabalho, como Rosa contou mais tarde:
O livro foi escrito – quase todo na cama, a lápis, em cadernos de 100
folhas – em sete meses; sete meses de exaltação, de deslumbramento. (Depois,
repousou durante sete anos; e, em 1945 foi “retrabalhado”, em cinco meses,
cinco meses de reflexão e de lucidez).
Não nos custa nada dedicar a ele dez semanas.
Nenhum comentário:
Postar um comentário