“De onde vocês
tiram as idéias para as histórias que escrevem?”
É a pergunta que um escritor mais escuta durante a vida. Jornalistas,
crianças, leitores em geral, colegas em início de carreira... todo mundo quer
saber de onde vêm as idéias.
Minha resposta, hoje, é: "Minhas idéias vêm das idéias dos
outros."
Vêm da vida real, também; mas é mais frequente virem dos
livros que a gente lê, dos filmes que a gente vê. Quando a gente está lendo um
livro, o aplicativo “Detetor de Boas Idéias” está ligado e em pleno
funcionamento. Na vida real, às vezes acontecem coisas extraordinárias diante
dos nossos olhos, mas estamos preocupados com outros detalhes.
Um amigo meu sofreu um “sequestro relâmpago” que durou
horas. Foi levado a caixas eletrônicos, sacou dinheiro sob revólver, aquele
pesadelo todo.
“Houve um momento,” disse ele depois, “o carro parado no
trânsito, a arma encostada nas minhas costelas, que pensei: isto aqui daria um
conto. Mas agora que passou não lembro mais de nada, ou pelo menos de nada que
consiga escrever. É como se tivesse acontecido com outra pessoa. É uma
experiência que não bate com o dicionário.”
Lendo um livro, a gente já pega a idéia com um mínimo de
formato. A arte está em saber pegar essa idéia e torná-la nossa. Virar pelo
avesso, decompor e recompor as partes, descartar o que é muito característico do
autor original, ampliar um detalhe, obscurecer outro. Mas mantendo a chama, a
vibração que nos fez pensar: “Opa, aqui tem uma idéia massa, que eu posso
adaptar para o meu jeito de escrever.”
Muitos leitores de Stephen King curtem a série “A Torre
Negra”, um ciclo de oito romances fantásticos que King levou mais de vinte anos
para completar. A ação transcorre principalmente no futuro, numa Terra
devastada, cheia de escombros da civilização. Há viagens no Tempo, há
ambientação de faroeste (pistoleiros, etc.), há incursões pela nossa época
atual, em flash-backs ou em viagens temporais.
De onde King tirou sua inspiração para essa série de FC
pouco convencional? Por incrível que
pareça, ele queria escrever uma “resposta” a O Senhor dos Anéis, que leu aos dezenove anos e que virou sua
cabeça, como a de muitos outros. Mas ele não queria repetir o livro de Tolkien.
Ele diz que a resposta lhe veio quando assistiu O Bom, o Mau e o Feio de Sérgio Leone, e percebeu a dimensão épica
daquele faroeste, que para a sensibilidade dele tinha a mesma dimensão da
fantasia de Tolkien. Ele diz:
Percebi que o que eu queria escrever era um romance que tivesse o mesmo
sentido épico e mágico de Tolkien, mas cuja história acontecesse naquele ambiente
do Oeste, majestoso, absurdo.
E assim, pegando dois universos praticamente irredutíveis
um ao outro (Tolkien e Sergio Leone), ele construiu o seu próprio épico – que
deve a ambos, e não se parece com nenhum.
Somente um escritor maduro tem essa capacidade. King não
é apenas o fã entusiasmado, desejoso de escrever as histórias que lhe dão
prazer como leitor. É um autor. Tem luz própria, e projeto próprio.
O saudoso editor Gardner Dozois, da revista Asimov Magazine, disse certa vez numa
entrevista à Locus (dezembro 1997,
#443):
Às vezes o material de um gênero precisa ser reinventado para ser
apreciado esteticamente por uma nova geração de leitores. Lembro de ter
conversado uma vez com Samuel Delany, e ele disse que em seu romance Nova
estava tentando reinventar Alfred Bester e seu The Stars My Destination
num formato mais esteticamente apropriado para a sua geração. E anos depois
conversei com William Gibson, e ele me disse que o que estava tentando
fazer era reinventar The Stars My Destination para a geração dele!
Isso mostra o peso que o romance de Bester (um clássico
de 1956) teve sobre gerações sucessivas. Merecidamente, aliás – o livro saiu
aqui no Brasil pela Brasiliense, com o título de Tigre! Tigre!
Delany estava publicando Nova em 1968, e Gibson começou a publicar sua série de romances
cyberpunk em 1984. Estavam imitando Bester? Não. Mas perceberam de onde vinha o
impacto de novidade, de maravilhamento e de expansão da consciência que Bester
conseguia produzir com seu texto. Entenderam o espírito. Estudaram a técnica.
Criaram obras que em nada se assemelham ao livro de Bester – mas que têm um
impacto semelhante.
Nossas idéias vêm das idéias alheias, mas muitas vezes
temos a percepção de que ficamos fãs do livro tal porque o autor fez tais e
tais coisas – e essas tais-e-tais-coisas podem ser adaptadas em contextos ou
temas muito diferentes. É aí que entra a criatividade de cada um – Stephen King
fugiu da fantasia medieval e criou uma fantasia de faroeste.
E por falar nisso, quando Alfred Bester escreveu The Stars My Destination, fez uma
deliberada adaptação do enredo de O Conde
de Monte Cristo (1844), de Alexandre Dumas. O saudoso José Paulo Paes, em
sua coletânea de ensaios Gregos e Baianos
(Ed. Brasiliense, 1984) faz uma excelente análise, usando o exemplo de Bester, de como essas grandes
histórias sempre podem servir de ponto de partida para grandes histórias
alheias.
Um comentário:
Massa!
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