(foto: Vanderlei Almeida)
Ainda não consultei a tabela, e não sei se o Flamengo já é “de
fato” vice-campeão brasileiro, após a vitória de 2x0 sobre o Cruzeiro e a
vitória de 1x0 do Palmeiras sobre o Vasco.
Um vice-campeonato por pontos corridos parece menos doloroso do
que um vice num campeonato eliminatório por chaves como a Copa do Brasil ou a
Libertadores. Aquele campeonato que a gente perde no derradeiro jogo.
Num destes torneios melodramáticos, de reviravoltas impossíveis
e campanhas incontroláveis, você pode ser o oitavo dos oito classificados para
a chave decisiva, e acabar sendo o campeão, como acho que já aconteceu com o
Santos.
Tudo se decide num jogo, às vezes num lance, numa bola na trave,
num gol perdido, num pênalte de Schrodinger, naqueles lances que no futuro
virarão um “o empurrão em Sicrano” ou “a bola de Fulano que não cruzou a linha”.
Esses mistérios que, à falta de outros registros e novos relatos, vão se
perpetuar na eterna nuvem do “já que não se pode nunca saber como foi, pode-se
afirmar qualquer versão que nos convenha”.
Um campeonato de pontos corridos tem também suas quedas bruscas
e suas subidas estonteantes, mas é como se tudo acontecesse em câmara-lenta, as
tendências de desempenho das equipes levam semanas para se delinear.
Num campeonato de pontos corridos, o que existe é um fluxo de
desempenho único, do primeiro ao último jogo. Cada ponto vai contar, cada gol
tem peso, e tudo o mais. É como se fosse um gigantesco jogo dividido em 38
fatias de noventa minutos.
Já num campeonato eliminatório, cada chave da parte decisiva
está zerada em relação aos pontos ganhos e perdidos antes. Não tem mais
contagem de pontos. Bate-se o martelo com o resultado dos jogos de ida e volta.
É o mesmo jogo, só que menos gigantesco, tem apenas 180 minutos, dividido em
dois segmentos de noventa.
É claro que do ponto de vista narrativo esta segunda modalidade
é folhetim puro, é uma tragédia ou uma epopéia por semana, um dobrar de apostas
em bases cada vez mais altas. Esta modalidade agrada quem está em busca de
emoções, de folhetim, de melodrama, de corações e mentes se dilacerando em
busca da vitória.
O campeonato de pontos corridos é feito aquelas poupanças onde
você deposita um real a cada graça recebida e reza para que exista alguém lastreando
seu saldo. Tudo nele é longo prazo, tudo nele pode ser projetado ao longo de 38
fortalezas de pedra ligadas por extensas passarelas como na Muralha da China,
esticando-se até a parte inferior do calendário do ano.
Se você perde um campeonato de pontos corridos porque ficou 1
ponto (digamos) atrás do campeão, é inevitável pensar que “os pontos que
precisamos agora foram os perdidos no jogo A, no jogo B, etc”.
É muito raro um campeonato de pontos corridos ter no último
jogo, decidindo campeão e vice, os dois clubes mais bem colocados. Aí sim, haveria
uma disputa pelo título travada dentro de campo, na grama, um contra o outro.
Literariamente, o campeonato por chaves e confrontos eliminatórios
tem o suspense e o sem-fôlego dos folhetins de Alexandre Dumas e Maurice Leblanc,
e se assemelha em estrutura aos relatos mitológicos dos trabalhos de Hércules.
Uma sucessão de desafios, onde a cada dois passos o herói colapsa na vida ou na
morte.
Já o campeonato de pontos corridos parece aquelas sagas
históricas a longo prazo, contando gerações sucessivas de uma mesma família, século
entrando em século. Aquelas trilogias de Érico Verissimo ou aqueles catataus de
Balzac. Um modelo que Garcia Márquez retomou numa chave de magia para contar
suas famílias colombianas.
Também literariamente o campeonato eliminatório pode ser visto
como uma coletânea de contos, ou como uma novela de capítulos sucessivos que
são unidades dramáticas em si mesmas. O campeonato de pontos corridos é um
romance de dimensões dickensianas, jorgeamadianas, tolkienianas.
Ou mais até, porque diferentemente da maioria dos livros esse
campeonato é um barco onde todos os personagens entram juntos e ficam todos
juntos até o dia da última rodada, não sai ninguém de cena até a cortina
fechar.
Isso são comentários meio ao correr de pena e ao sabor da
viração, motivados pelos resultados de hoje. Quem gosta de futebol gosta por
uma infinidade de razões diferentes, que nem sempre são as mesmas do nosso
vizinho do lado.
Uma das coisas que me dão prazer, independentemente de torcer
por algum time, é acompanhar campeonatos e ver como se desenvolvem. Vale também
para campeonatos de vôlei, basquete, tênis, qualquer coisa. (Não sei se nesses,
internacionalmente, usa-se muito o sistema de pontos corridos.)
Este ano de 2018 tivemos uma Copa do Mundo com uma narrativa
morna, e os grandes momentos, de verdadeira emoção, só aconteceram por
inevitabilidade estatística.
Já o Campeonato Brasileiro de 2018 começou com o Flamengo se
sustentando numa liderança que não visitava há anos, controlando jogos
difíceis, derrubando adversários. A parada do meio do ano para a Copa do Mundo
não fez bem ao time (que já nem terminou no mesmo pique o chamado “primeiro
turno”). O São Paulo aproveitou esse baque e assumiu a ponta, por algumas
semanas, acho.
E então o grande Felipão ressurgiu das cinzas, e logo no
Palmeiras. A grandeza de um técnico ou de um atleta às vezes não é pela
genialidade técnica ou pela grande figura humana, mas apenas por ser um cara
capaz de obter o impensável e desmoralizar o impossível. Depois da derrota de
2014, achava-se que ele não voltaria mais, e ele voltou.
O Flamengo, este ano, promoveu mais um jovem craque (Lucas
Paquetá) e vendeu dois (Paquetá e Vinicius Jr.). A defesa é de pouca conversa,
dá suas cabeçadas, tanto a favor quanto contra. O time continua sem ataque.
Henrique Dourado parece às vezes que está jogando a partida que está passando
noutro canal.
O grande número de gols marcados pelo time não resulta de ele
ter bons atacantes, resulta do volume de jogo que a equipe consegue exercer, e
aí o gol pipoca de qualquer ponto.
O goleiro César tem aparecido muito bem. Diego jogou menos do
que no ano passado, e este ano quem melhorou muito foi Everton Ribeiro, que é
bom armador e bom finalizador. O time nunca é o ideal, mas dá pro gasto.