(ilustração: Henrique Alvim Corrêa)
Quando H. G. Wells publicou A Guerra dos Mundos (1898),
sua invasão alienígena surgiu bem no miolo do espírito do tempo. A Grã-Bretanha,
no auge do colonialismo, podia se ver como invasora e como invadida, como a
literatura de guerra da época cansou de explorar. Havia uma plausibilidade
enorme naquela população pacata do interior que primeiro se aglomera e se
abanca para assistir a mais um prodígio merecedor de conversas de “pub”, e logo
em seguida dispara espavorida ao ver que aquilo é uma invasão maligna, de
criaturas que vieram para matar.
Verossímil porque percutia as teclas de medos mais
profundos, medos coletivos e ancestrais. Howard Koch, o homem que roteirizou
para Orson Welles a famosa adaptação radiofônica de 1938, se maravilhava ao ver
os ouvintes aceitando que dentro de meros 45 minutos avistavam-se em Marte as
explosões do disparo das naves, a chegada destas à Terra, o ataque dos
marcianos, o extermínio de batalhões inteiros e a queda das principais cidades.
Em apenas 45 minutos, e tanta gente acreditou!
É a lição da literatura, do cinema, do próprio rádio: se uma
narrativa for sólida e flexível, e se houver continuidade topológica em sua
estrutura de causas e efeitos, ela pode ser comprimida ou esticada até limites
muito amplos. Só perde a força quanto a compressão força a retirada de
elementos essenciais, ou quando a expansão começa a diluir seu movimento
interior.
Os marcianos são fisicamente monstruosos, e dominam uma alta
tecnologia. São dois clichês do gênero, e Wells os explicou em poucas páginas,
como já fizera com a teoria do Tempo como 4a. dimensão em A Máquina
do Tempo (1895). Mais do que os clichês, contudo, vale observar os pequenos
detalhes que o seu narrador percebe e comenta. A certa altura, trancado num
porão que os marcianos examinam à procura de humanos, o narrador diz:
“Passou-se uma era inteira de intolerável suspense, e então eu os ouvi mexendo
no trinco. Os marcianos entendiam portas!”.
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