Alguém já disse que a melhor maneira de criticar, digamos, uma pintura a óleo seria produzir uma segunda pintura a óleo que fosse uma crítica da primeira. Professores de belas-artes pegam o desenho de um aluno e o copiam, mostrando como corrigir cada pequeno erro. Glauco Mattoso, em sua nova coletânea de sonetos, Critica Syllyrica (São Paulo: Lumme Editor, 2015) usa um método parecido. Ele pega sonetos famosos ou obscuros da poesia brasileira, e produz um soneto paralelo que lhe serve de crítica. Não que ele corrija o soneto do outro, não que tente refazê-lo “certo”: o soneto mattosiano é um comentário, geralmente sarcástico, ridicularizando aqueles modismos insuportáveis, o linguajar pomposo, as imagens clichê, etc.
A metalinguagem já faz parte dos métodos mattosianos desde o Jornal Dobrabil (1977-1981), a primeira publicação
gay-concretista-anarquista-sadomasoquista-coprofágica da poesia brasileira.
Paródia, pastiche, imitação, avacalhação, todos esses métodos desconstrutivos
já estavam presentes naquela folha datilografada que acompanhei ao longo dos
anos. Depois que o glaucoma reduziu drasticamente suas atividades
datilografistas, Glauco dedicou-se à composição de sonetos, sendo provavelmente
o recordista mundial do gênero.
Critica Syllyrica está todo vazado na “ortographia
antiga”, uma opção radical do poeta, a quem parece não agradar essa sucessão de
reformas mexendo em coisas sagradas como o hífen e o trema. Comentando o soneto
“Risonhas Flores” de Sylva Alvarenga, ele diz: “Das epochas tentou Sylva
Alvarenga / os themas amorosos por na flor. / Tentou, pois todos tentam, mas
amor / não vive só de flores: há pendenga”. O livro reproduz, face a face, o
soneto original e o soneto-crítica, onde Glauco, fiel ao personagem, reclama
com frequência da hipocrisia dos poetas ao se dirigirem às “amadas”, e
explicita as perversões sexuais que provavelmente jaziam encobertas nos versos
castos dirigidos às “virgens puras” daquele tempo.
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