Numa entrevista concedida em 1994 a José Geraldo Couto, João Cabral de Melo Neto assim falou a respeito da noção de poesia:
“Naquele poema ‘Alguns Toureiros’ eu digo que aprendi com
Manolete a não poetizar o poema. Porque esse é o problema de muito poeta: é que
ele faz um poema poético. Quer dizer, faz um poema a partir de elementos já
convencionalmente poéticos. Ele perfuma a flor. É como se você planta uma rosa
e depois acha que a rosa não está cheirando o suficiente e aí põe, em cima da
rosa, perfume de rosas para ela cheirar mais (risos). Eles perfumam o poema.
Existem toureiros que fazem isso também, floreiam demais o jogo.”
Poetizar o poema significa encher o poema de emoticons, de
pequenas sinalizações indicando ao leitor a reação emocional que o poeta espera
provocar. Sinalizações que revelam a insegurança do poeta com relação aos meios
que emprega.
Ele acha que o que escreveu não é suficiente, acha que o leitor não vai entender, e começa a reescrever aumentando, começa a encher o verso de pequenas redundâncias, como se cochichasse ao leitor, “olha só, isso aqui é triste”, “preste atenção, aqui é para você achar graça”, e assim por diante. Surgem redundâncias como “um sorriso alegre cheio de felicidade”.
Ele acha que o que escreveu não é suficiente, acha que o leitor não vai entender, e começa a reescrever aumentando, começa a encher o verso de pequenas redundâncias, como se cochichasse ao leitor, “olha só, isso aqui é triste”, “preste atenção, aqui é para você achar graça”, e assim por diante. Surgem redundâncias como “um sorriso alegre cheio de felicidade”.
Isso equivale, na prosa, àquele excesso de informações que o
escritor, ansioso para descrever bem uma ação, começa a jogar no papel (e no
olho do leitor). “Fulano entrou na sala esbaforido, enxugando o rosto, devido
ao calor que fazia lá fora, pois era um dia de sol forte, uma vez que estavam
em pleno verão e isso o fazia suar bastante”.
Ou aqueles pequenos detalhes que todo escritor já cometeu uma vez ou outra: “Fulano ergueu as duas mãos no ar” (o que faz o leitor pensar: “e por que não as cinco mãos, ou as dezessete?”).
Ou aqueles pequenos detalhes que todo escritor já cometeu uma vez ou outra: “Fulano ergueu as duas mãos no ar” (o que faz o leitor pensar: “e por que não as cinco mãos, ou as dezessete?”).
João Cabral via na arte dos grandes toureiros uma redução do
jogo corporal ao mínimo essencial de movimentos, uma espécie de balé no limite
entre a vida e a morte, uma economia de gestos onde um movimento a mais poderia
desequilibrar o conjunto e fazer com que o toureiro fosse atingido. A mesma
economia de traços de um desenho de Miró ou de Picasso (para ficar nos
espanhóis).
Sem falar no uso do que ele chama de “elementos já convencionalmente poéticos”, ou seja, “rosa” é uma palavra considerada naturalmente poética, enquanto que “fósforo” ou “lagartixa” não o são. Uma noção que (para ficar nos nordestinos) Augusto dos Anjos já tinha bombardeado muito tempo antes.
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