terça-feira, 5 de maio de 2015

3805) Ruth Rendell 1930-2015 (5.5.2015)



Ela pertenceu à linhagem das grandes damas do romance policial britânico, com Agatha Christie, Dorothy Sayers, P. D. James e outras. Cada uma com seu estilo e suas histórias; cada uma com seus criminosos típicos e seu detetive preferido. Não li nenhum dos romances de Ruth Rendell onde aparece o Inspetor Wexford, sua criação mais famosa, mas nada está perdido. O único consolo que temos na morte de um escritor é que ele se vai mas os livros ficam. (Imaginei agora, durante ume terrível fração de segundo, um planeta distópico onde a morte de um escritor fazia desaparecer para sempre todos os seus livros impressos e todas as palavras escritas por ele ao longo da vida.)

O obituário da BBC registra um fato divertido: bem jovem, ela trabalhou como repórter num jornal de Essex, e acabou demitida devido à cobertura que fez de um jantar num clube esportivo local. Rendell não compareceu ao evento e fez o que muitos repórteres fizeram e farão até o fim dos tempos: escreveu a reportagem “no escuro”, uma vez que jantares desse tipo são sempre iguais. O que ela não contava é que o orador principal da noite teve morte súbita durante o discurso, e o jornal dela foi o único que ignorou o fato.

“Eunice Parchman matou a família Coverdale porque não sabia ler nem escrever.” A frase inicial de Um Julgamento em Pedra (1977) é um dos começos mais famosos da literatura policial, porque abre o livro revelando quem é o criminoso.  A série fatalista de circunstâncias que leva uma empregada (que esconde o fato de ser analfabeta) a chacinar os patrões foi filmada por Claude Chabrol (La cérémonie, 1995). Pedro Almodóvar filmou Carne Trêmula (1997) baseado em seu romance Live Flesh (1986). A obra de Rendell, felizmente, tem sido traduzida no Brasil: deve haver mais de vinte títulos à disposição do leitor, por várias editoras.

Traduzi apenas um dos contos magníficos dela: “O Duplo (Encontro no Parque)”, na minha antologia Contos Fantásticos de Amor e Sexo (Ímã, 2011), a história de um homem dividido entre duas mulheres iguais. “The New Girl Friend” (1984) conta a história da amizade entre uma mulher e seu vizinho que pratica “cross-dressing” quando está sozinho em casa.  “The Fallen Curtain” (1975) mostra a busca silenciosa de um homem para reconstituir um episódio obscuro em que se envolveu num parque com um adulto, quando era menino. “The Haunting of Shawley’s Rectory” (1979) fala de uma casa assombrada por visões de um crime. Sua prosa é límpida, implacável; sua percepção da alma humana chega a ser incômoda – ela parece saber sobre seus personagens mais do que a prudência recomenda.


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