A palavra “contrainte” (em francês; “constraint” em inglês) significa “restrição arbitrária que um autor se auto-impõe”, e tem produzido obras curiosas na literatura. O sujeito pode dizer, por exemplo: “vou escrever uma história onde tudo acontece de trás para diante”, uma história onde o tempo corre ao contrário. Isto foi feito, com relativo êxito, por Philip K Dick (Counter-Clock World), Fritz Leiber (“The Man Who Never Grew Young”) e outros. Em geral, contudo, a “contrainte” não se prende ao tema, mas à forma, a um detalhe técnico qualquer.
Já escrevi sobre o romance de Georges Perec La Disparition,
onde ele não usa a letra “E”. Não foi o
primeiro a fazê-lo. Provavelmente essa honra cabe ao romance Gadsby (1939) de
Ernest Vincent Wright, um autor obscuro que morreu logo após o lançamento do
livro. Um artigo de Mark Juddery (aqui: http://tinyurl.com/bhyzlfw)
comenta essa verdadeira anomalia literária, como foi considerado na época, e anota
o detalhe de que Wright, para se manter fiel ao compromisso, amarrou com cordão
a tecla da letra E de sua máquina de escrever, para não usá-la por distração. Não
sei se o recurso poderia ser usado num teclado de computador, mas este tem a
vantagem da busca. Toda vez que tentei fazer algo assim, uma rápida busca pela
letra em questão acaba nos mostrando todas as vezes em que a empregamos por
descuido.
É uma história de amor, mas Wright nunca usa, por
exemplo, a palavra “love”, e a substitui por circunlóquios
(“strong liking”, “throbbing palpitation”).
Wright foi mais rigoroso do que Perec: ele evita o uso de
abreviaturas como “Mr.”, porque “Mister” contém a letra proibida (Perec
abreviou algumas palavras que continham “E”). Wright também praticou primeiro algumas das
façanhas mais divertidas do livro de Perec: pegar frases famosas e
parafraseá-las omitindo a letra proibida. Uma frase como “a thing of beauty is
a joy forever” do poeta Keats (“uma coisa bela é uma alegria eterna”) ele
recria como “a charming thing is a joy always”, que é quase a mesma coisa.
2 comentários:
Fico atônito aqui imaginando: nossa língua admitiria uma ousadia tão fantástica? Suprimir, digamos, numa crônica ou livro, a vogal omitida na obra citada ("Gadsby")? Digo isto partindo da constatação óbvia, não só minha, da importância das vogais, da sua força no nosso idioma. Como são ubíquas, a toda hora dando o ar da sua graça nas combinações mais variadas. Portanto, para mim, admirador incondicional das coisas próprias do nosso idioma, tão rico, só a um louco (ou tolo) agradaria amputá-lo para, assim, pôr à prova sua força criativa (do louco ou da língua, não importa). Contudo, não posso falar por todo o mundo. Afinal, não faltam por aí indivíduos muito criativos dispostos a tudo. Um abraço.
Mendes, veja aqui um romance brasileiro (tenho um exemplar, é real) sem a letra O:
http://mundofantasmo.blogspot.com.br/2011/02/2487-mulher-que-enganava-lua-2322011.html
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