(Edição de "Lolita" na Turquia)
Vladimir Nabokov disse uma vez: “Conan Doyle preferia ser conhecido como o autor de uma
história de África, que achava bem melhor que o seu Sherlock Holmes”. Deve estar se referindo ao romance A
Tragédia do Korosko, um navio de europeus tomado como reféns por tuaregues
revoltosos. Num programa de entrevistas na TV francesa (aqui: http://tinyurl.com/ozxtunu) ele diz isso
respondendo a uma pergunta sobre o sucesso do romance Lolita (1965), se isso
o deixava incomodado. Disse que se
incomodava mais com o fato de Lolita, que ele vê como uma pirralha muito
desinteressada em sexo, ter sido transformada, pela ilustração e pela
publicidade, numa modelo de pernas longas.
Ele diz que a fenda da porta é a “brânquia mais importante
da literatura”, já que é por ali que verdades são conhecidas, segredos são
vazados, mistérios são desvendados. Diz que muitas das aparentes complicações
de seus romances podem se tornar mais simples se encaradas como problemas de
xadrez. Mais do que enfrentar
adversários, emboraele se diga capaz, de vez em quando, num torneio de clube, de
fazer com que um campeão caia em sua armadilha, mas o que gosta mesmo é de
criar aqueles problemas de revista: “As brancas dão mate em três lances.” Segundo ele, especializou-se em problemas
suicidas, aqueles em que as brancas obrigam as pretas a derrotá-las.
O terno, os óculos e o rosto grande o deixam às vezes
parecido com Guimarães Rosa, enquanto disserta sobre espelhos, diz que gostaria
de ser “um obscuro entomologista”, explica um xibolete de dicção para
reconhecer um moscovita. “O castelo foi queimado por camponeses demasiado
zelosos”, diz ele, lembrando como a fortuna do pai desmoronou.
Perguntado sobre sua língua preferida, diz: “A língua dos
meus antepassados ainda é a que me sinto mais à vontade. Mas nunca me
arrependerei da minha metamorfose americana.”
A certa altura ele parece recitar uma frase, o entrevistador pergunta se
ele está citando, ele diz que sim, e que é uma tradução “muito, muito boa”. (É,
ninguém decora o nome de todos os seus tradutores.)
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