quarta-feira, 5 de junho de 2013

3204) Medo (5.6.2013)





Há quem diga que eu sou medroso, mas não sou medroso, sou precavido. Se eu fosse medroso eu não teria coragem – para dar um exemplo – de abrir gavetas. Mas eu abro gavetas: apenas costumo abri-las muito devagar, para não correr o risco de puxá-las além da conta, fazer com que escapulam de dentro do móvel e derramem todo seu conteúdo (talheres, documentos, o que for) no chão. Todo mundo já deve ter passado por isso – puxar demais uma gaveta e fazê-la tombar no chão, derramando tudo. Eu, não. Nunca me aconteceu. Porque sou medroso? Não: porque sou precavido. Por isso quando preciso abrir uma gaveta, eu abro muito lentamente. Não é problema meu se isso exaspera as pessoas que estão esperando e olhando o relógio de minuto em minuto.

Medo de centopéias, por exemplo: tenho, mas quem não tem? Vou lhe dizer quem não tem: quem nunca viu uma centopéia de verdade subindo ao longo da pele do braço, deixando marquinhas nele com aquelas perninhas ósseas, enquanto o ferrão vai sendo preparado. Isso nunca me aconteceu, mas só por isso eu sou medroso? Conte-me outra. Medo de guerra, de guerrilha, de revolução, de ditadura, de pau-de-arara? Não preciso ter. Medo de vampiro? Eu rio de vampiro. Vampiro que tenha medo de mim. Medo de tempestade, de tornados, de que a minha casa afunde como se fosse um navio, nada disso eu tenho. Medroso, eu? Hah.

Medo de quebrar um incisivo da frente se um dia eu estiver bêbado e cismar de abrir uma garrafa de cerveja com o dente? Não tenho. Medo de descobrir que sou filho adotivo, e que meu verdadeiro pai é aquele mendigo cheio de feridas que me faz atravessar para a calçada oposta à dele? Não tenho. Medo de ET, medo de abominável homem das neves? Não tenho. Medo da polícia? Tenho, mas, volta a mesma questão, quem não tem medo da polícia? O crime organizado, talvez, mas eu não sou o crime organizado. Medo de barata, de tubarão, de vírus Ebola? Não tenho. Medo de ficar pobre? Não tenho. Tenho medo de ficar rico. Não saberia administrar esse problema.

Não tenho medo de régua, de alicate, de pé de alface, de ar condicionado, de preposição, de guaxinim, de açúcar, de chapéu panamá, de paliteiro, de caldo de cana, de videotape. A maioria das coisas não me causa medo. A maioria dos medos alheios me faz rir, ou na verdade me dá vontade de rir mas me faz balançar a cabeça, compreensivo, e murmurar uma solidariedade vã.  Guardo meu medo para uma meia dúzia de coisas que me espreitam à distância, que começam a se mover somente quando adormeço, que esperam uma oportunidade, quando estou bem descontraído e arrogante, para encostar seu alfinete em meu balão e sussurrar: “Não tenha medo, eu estou aqui”.



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