Ele talvez tenha sido o primeiro artista fantástico
brasileiro da minha vida. Em revistas, catálogos e suplementos literários as
suas gravuras sombrias e detalhistas chamavam a atenção pelo traço
característico e pela temática surpreendente. A arte brasileira tem dois
troncos principais, o experimentalismo formal e o realismo social. Grassmann
viajava num mundo gótico só dele, um mundo com cavaleiros de alabardas e elmos
ameaçadores, de dragões e ogros, de abantesmas sem nome. Suas gravuras estavam repletas de avejões
noturnos com bicos sequiosos, larvas, florestas impenetráveis, castelos e
torreões. Lembro de ter visto aqui e ali comentários desdenhosos que elogiavam
sua técnica mas o consideravam “pouco brasileiro”. Sua arte, no entanto, era
tectônica: ia nas placas profundas onde repousam tanto o Brasil quanto a finada
Atlântida e o fictício Zothique.
Faleceu no dia 21 de junho passado, aos 87 anos. Foi um
grande desenhista, e a parte mais significativa de sua obra está em gravuras em
pedra e metal. Deixo ao Google a informação sobre seus numerosos prêmios e
distinções. O que nos atrai em sua obra é esse clima expressionista e simbólico,
cheio de Templários, fantasmas, ogivas, mastins. Diz ele:
“Embora formalmente a
Renascença tenha me dado muito mais que a Idade Média, a Idade Média era mais
carregada de coisas interiores, a meu ver, do que a Renascença, que já começava
com uma preocupação formalista, de estilo, maneira, de como encarar as coisas,
mais do que quais as coisas a serem encaradas. Os flamengos adoravam fazer o
inferno, porque no inferno havia a proposta de milhões de fantasias. Bosch, por
exemplo, parte para toda aquela loucura de figuras dentro de armaduras, meio
peixe, meio gente, meio cômico e, no fundo, eu sofri influências
importantíssimas dele. O mundo de Bosch é cheio de diabolismos, de fantasias,
de coisas que não são de todo mundo. Já a China me deu duas coisas: um dragão e
alguns diabinhos. Os etruscos me deram pouca coisa, os egípcios me deram muito
mais, com suas zoomorfias religiosas”.
2 comentários:
boa dica...já conhecia alguns desenhos, mas nunca li nada....parabéns pelo texto....
Sou um grande fã de do Grassmann, lembro do primeiro livro de desenho que comecei a estudar e tinha gravuras dele e do Octávio Araujo, foi no encontro desses dois que me decidi trilhar o caminho do desenho e das artes.
E o Grassmann é um dos heróis que sempre trazem esse olhar único para a arte em contraponto aos modismos e formalismo um tanto masturbatórios da arte.
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