sexta-feira, 15 de junho de 2012

2897) Primeiríssimas Estórias (15.6.2012)








Antes de estrear em livro com Sagarana, em 1946, Guimarães Rosa já tinha escrito outras obras que depois não quis publicar.  Uma delas foi o volume de poemas Magma, de 1936, com o qual chegou a ganhar um concurso, e que só foi oficialmente publicado em 1997. Estes 61 anos são um intervalo longo demais para um livro aparecer? Pois prestem atenção neste outro, que saiu no ano passado pela Nova Fronteira: Antes das Primeiras Estórias, organizado por Janaína Senna, reunindo contos publicados entre 1929 e 1930, ou seja, um intervalo de 82-83 anos entre publicação em periódico e publicação em livro.

Em meu livro A Pulp Fiction de Guimarães Rosa (Ed. Marca de Fantasia, João Pessoa, 2008) analiso estes contos que Rosa publicou, quando tinha 21-22 anos, em O Jornal e na revista O Cruzeiro. Minha primeira informação sobre eles veio de um artigo publicado por Ivan Teixeira no Estado de São Paulo (26.9.1992). Na Biblioteca Nacional, no Rio, consultei os originais, copiando longos trechos com lápis de grafite, para poder escrever o meu comentário. Agora os quatro contos saíram na íntegra pela Nova Fronteira, com um prefácio elogioso de Mia Couto.

Qualquer leitor de Guimarães Rosa e qualquer admirador da literatura fantástica sairá enriquecido da leitura destes “contos de aprendiz”, que mostram o escritor mineiro, ainda verde, vivendo aquele momento quântico em que um rapaz inteligente e devorador de livros pode se transformar tanto num imitador da literatura alheia quanto num autor capaz de reinventar a literatura.  Rosa era um sujeito vaidoso. Todo mundo que escreve é vaidoso, mas alguns têm a vaidade dos perfeccionistas, para quem nada do que produzem está à altura de sua genialidade, e acham que precisam retrabalhar ainda mais o texto. São sinais evidentes disto o fato de que ele rejeitou Magma (um bom livro de poemas) e estes contos, onde passa do gótico (“O mistério de Highmore Hall”) para o “weird” (“Tempo e Fatalidade”), e da fantasia heróica ("Makiné”) para o regionalismo exótico (“Caçadores de Camurças”). Sem falar que passou cerca de oito anos retrabalhando os contos de Sagarana até achar que mereciam publicação. Os contos experimentais de Rosa talvez desagradem àqueles que têm em mente um Guimarães Rosa monolítico, categorizado, decifrado por fim. Eu gosto deles porque suas influências juvenis modificam e enriquecem a obra posterior, revelam camadas de sensibilidade e de prosa que, em retrospecto, vemos estarem presentes nos sertões futuros. O passado pode ser modificado quando uma nova descoberta nos traz novas revelações, e Guimarães Rosa ainda não disse tudo que veio dizer.