O terceiro filme da série Batman dirigido por
Christopher Nolan tem competência e tem pequenas frustrações. É um diretor
criativo querendo injetar novidade numa fórmula da cultura de massas. Ele não
pode injetar tanta novidade que cause um estranhamento nas platéias. Nolan e seus produtores sabem muito bem que o
que a maioria dos fãs de Batman querem é “um pouco mais daquilo mesmo”, mas não
são todos. Se hoje em dia os fãs aceitam
que Batman leve uma surra do vilão e tenha que passar um tempo se recuperando
isto já é prova suficiente do amadurecimento mental (seja isto o que for) dessa
platéia.
Nolan fez na sua trilogia uma espécie de compressão
temática de tudo que compõe a mitologia Batman, utilizando um bom elenco fixo,
e atraindo participações memoráveis. Um bilionário recluso, cercado por uma
equipe high-tech de fazer inveja à de James Bond, decide combater o crime em
sua cidade, em parte por motivos freudianos (a morte dos pais, o medo de
morcegos). As contradições e os desvãos
escusos dessa decisão arrogantemente individual são explorados nestes três
filmes, em que Batman deixa de ser um “cruzado de capuz” acima do Bem e do Mal.
Ele se torna um livre atirador numa briga pesada que envolve a polícia, os
gênios-do-mal e os pequenos transtornos (como a Mulher Gato) que se atravessam
na sua frente. E isto deixa mais visíveis
as suas contradições como agente da lei. Bandido rico, bandido bem armado, mas
bandido.
Batman é rico, é impaciente com a incompetência do
Estado, e resolve criar um Estado-de-um-homem-só para salvar seus conterrâneos.
O vigilantismo dessa atitude o deixou permanentemente em xeque. Ele não é um
cruzado. É um bilionário que quer fazer administrar o mundo pelos seus próprios
critérios.
O sucesso dos filmes mais recentes de Super-Heróis
reflete dois processos. Por um lado, o
mundo real está ficando mais carnavalizado, mais decorativo, mais quadrinhesco;
pessoas de 50 anos ficariam perplexas com o modo como nos vestimos, nos
adornamos. Por outro lado, esse comércio forçado entre os dois mundos faz com
que alguns heróis comecem a perder a invulnerabilidade infantil de sua fase
“gibi” e passem a se contaminar de mundo real. Foi a novela gráfica de Frank
Miller, “The Dark Knight Returns” (1986), que iniciou este processo. Agora, com
os blockbusters do cinema, ele chega a um público maior. É uma lenta pororoca
entre as mitologias e fantasias que criamos a respeito de nós mesmos, e o modo
como elas deixam de ser fantasias consolatórias para serem fantasias neuróticas
em que toda a energia do problema original ressurge intacta e resiste até à
bomba atômica.
Um comentário:
Achei muito interessante o modo como você termina essa crônica: o mundo irreal dos gibis está mais plausível que o mundo real.
Talvez essa lenta inversão tenha atiçado mais a esquizofrenia das pessoas: tudo não passa de um game ou de um sonho, coisas do tipo.
Enfim, só uma observação.
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