(Henry Miller)
Poucos indivíduos terão sido tão mentalmente saudáveis quanto Henry Miller. Dos livros dele, com sua mistura de boemia, sexo, crítica social e disponibilidade para curtir a vida, emana a alegria de viver, presente inclusive nos capítulos em que ele descreve a pindaíba financeira em que viveu, ou suas brigas conjugais, ou sua guerra sem fim contra o “pesadelo com ar condicionado”, a vida classe-média nos EUA, a cultura do enlatado e do artificial.
J. G. Ballard escreveu que ele foi “o primeiro escritor proletário a criar uma literatura pornográfica baseada na linguagem e no comportamento sexual das classes trabalhadoras”.
Talvez a nenhum de nós ocorresse considerar Miller um escritor proletário, por ele não ser de esquerda. Mas sua ética e sua literatura são a do norte-americano trabalhador, pragmático, sem nonsense, que aprecia os prazeres físicos da vida mas tem leitura e educação suficiente para ver transcendência nas pequenas coisas.
Ballard o chamou de “Proust das classes trabalhadoras”, aludindo ao seu memorialismo compulsivo. Miller foi talvez o primeiro escritor, lido entre os 20 e os 30 anos, que me fez perceber o ato da escrita como um ato que envolve a totalidade da pessoa, do momento, da vida, de tudo que o cara experimentou, tudo que sabe e não sabe, tudo que teme e deseja, convergindo para aquele instante mágico (este instante mágico, exatamente agora) em que ele dedilha num teclado.
Descobri lendo Miller que escrever não era apenas contar uma história legal ou produzir uma frase bem feita. Escrever era algo tão físico-mental e tão atávico quanto fazer sexo.
Miller preparou nos anos 1930, quando escrevia “Trópico de Câncer”, uma lista de onze mandamentos do escritor.
“1) Trabalhe numa coisa de cada vez, até terminar.
2) Não comece nenhum livro novo, e pare de juntar material para Primavera Negra [o outro livro que ele escrevia na época].
3) Não fique nervoso. Escreva com calma, alegremente, incansavelmente, com o que tiver à mão.
4) Escreva de acordo com o que programou, e não de acordo com seu estado de espírito. Pare na hora marcada.
5) Mesmo quando você não consegue criar, pode escrever.
6) Cimentar um pouco por dia, ao invés de adicionar fertilizantes.
7) Seja um ser humano: encontre as pessoas, saia de casa, beba se estiver a fim.
8) Não seja um burro de carga. Só escreva com prazer.
9) Descarte o programa quando lhe convier, mas volte a ele no dia seguinte. Concentre. Focalize. Corte.
10) Esqueça os livros que gostaria de escrever, e pense somente no que está escrevendo.
11) Escreva sempre, antes de tudo. Pintura, música, amigos, cinema, tudo isto vem depois”.
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