quarta-feira, 22 de junho de 2011
2589) Hitchcock (22.6.2011)
Está havendo no Rio de Janeiro uma vasta retrospectiva da obra de Alfred Hitchcock, exibindo os clássicos que todo mundo conhece, muitos filmes mudos que fez na Inglaterra no começo da carreira, e também um grande número de episódios das séries de TV que coordenou e eventualmente dirigiu. Creio que os episódios que vi quando garoto tinham o título genérico de Suspense, que era também o nome da edição brasileira do Alfred Hitchcock’s Mystery Magazine, publicado aqui pela Rio Gráfica Editora.
Minha relação com Hitchcock, até os trinta anos, era menos de espectador ou crítico do que de fã ou torcedor. Lia tudo que se referisse a ele, gostava de qualquer filme dele (inclusive os piores, como Topázio). O tempo amainou esse entusiasmo; o tempo e o entusiasmo alheio, porque já observei que a melhor maneira de me fazer desconfiar de um artista é vê-lo sendo elogiado por gente que ouviu o galo cantar e não sabe onde. Infelizmente é o que acontece com o diretor de Psicose, cuja irresistível propensão para o marketing, a propaganda pessoal, e para o efeito fácil, o truque óbvio, acabou fazendo dele o diretor cujos filmes qualquer desorientado assiste e sai convencido de que viu uma obra de arte.
Sem querer depreciar os fãs de Hitchcock, penso hoje que o cinema dele é mais superfície do que substância, mais genialidade intuitiva para a narração visual do que idéias a respeito do mundo. Nesse aspecto assemelha-se (embora com temperamentos e efeitos diferentes) a Steven Spielberg, outro animal visualizador e narrativo, mas que não tem dez mil-réis de idéias sobre o mundo. Tanto um como o outro são os reis das quatro linhas do enquadramento, assim como Romário é o rei da grande área. Ali dentro, sabem de tudo. Parecem ter sempre a noção exata de como posicionar a câmara, como mover os atores, como cortar de uma cena para outra, como explorar todas as possibilidades e sugestões visuais de um dado ambiente ou cenário natural. Tudo isto para dizer o que? Não sabem. Estão somente contando uma história.
Os temas hitchcockianos já foram peneirados pela crítica até não poder mais: o Duplo, o Homem Errado, o Fetiche, o MacGuffin, a Loura Gélida... Diferentemente de Luís Buñuel, com o qual tem muitos pontos em comum, Hitchcock não parecia prestar muita atenção no mundo. Suas entrevistas (o livro de François Truffaut é um exemplo disso) são sobre questões técnicas e narrativas. Não parece preocupar-se com o significado do que está dizendo, e sim com a maneira mais original e eficiente de dizê-lo. É mais um artesão do que um artista.
Seu imenso sucesso, tal como o de Spielberg, parece se dever ao fato de que a mente de ambos flutua num limbo muito próximo daquele onde fervilham as mentes dos seus espectadores. Não há profundeza a que eles desçam e onde seu público não seja capaz de acompanhá-los. São grandes cineastas porque mostram de maneira espontânea o quanto um cinema feito só de imagens pode prescindir de idéias.
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