terça-feira, 10 de maio de 2011
2552) A bomba do Riocentro (10.5.2011)
Lembro, como se fosse hoje, a noite em que explodiu a bomba do Riocentro, evento que completou agora trinta anos. Eu estava numa barraca de Olinda, perto do famoso Bar Atlântico, tomando cerveja com a rapaziada, e a barraca tinha uma TV ligada. Passava da meia-noite, acho. De repente entrou uma chamada do telejornal da Globo e o cara da barraca aumentou o volume. Paramos a conversa para escutar, porque foram logo falando em bomba. Estava havendo um show musical no Riocentro e terroristas tinham jogado uma bomba num carro com dois oficiais do Exército. Ficamos de olho pregado na tela. Apareceu um carro todo esfrangalhado pela explosão. E então veio uma imagem da mala do carro aberta, e o repórter dizendo: “Foram encontradas outras bombas na mala do carro. Não há pistas sobre a autoria do atentado”. Quando terminou a matéria eu perguntei; “Olha, se os militares estavam no carro, e alguém jogou uma bomba neles, o que essas outras bombas estavam fazendo na mala do carro DELES?”.
Este é um episódio curioso na minha vida porque desde a manhã seguinte nunca mais ninguém tocou no assunto “outras bombas”. Em vão li jornais dos dias seguintes sobre o atentado, cada vez mais convencido do óbvio: os militares estavam ali para jogar a bomba em alguém e deram uma mancada. Por conta disso, escrevi uns versinhos, finalizando uma estrofe de martelo, que eram muito aplaudidos na época, quando os cantava em público: “Sou gangrena depois da infecção, sou a presa dum bicho peçonhento, sou a bomba no colo do sargento, explodindo o infeliz do capitão”.
Sigmund Freud tem alguns ensaios muito interessantes sobre o que ele chama de falsas memórias, ou memórias fabricadas. Ao evocar um episódio do passado distante, colocamos nele coisas que não estavam ali. Não colocamos pelo impulso de mentir ou de falsificar, mas porque estamos montando às pressas um quebra-cabeças e, quando falta uma peça, a gente inconscientemente fabrica uma peça antes inexistente, mas que se encaixa naquele lugar.
Terei imaginado as bombas na mala do carro? Talvez. Mas o fato estava acontecendo naquele instante, estávamos todos tomados de surpresa, e me lembro que foi a visão das bombas não-explodidas que me fez achar, perplexo, que aquilo não tinha sido um atentado terrorista. O pessoal dizia: “Mas o locutor falou que foram os terroristas que jogaram uma bomba no carro dos caras”. E eu dizia: “Ok, nada contra. Mas então o que estavam as bombas não-explodidas fazendo justamente no carro dos caras?”.
O atentado do Riocentro é um dos maiores escândalos jurídicos da época da ditadura, porque foi alvo de uma pseudo-investigação, conduzida pelo Exército com uma desfaçatez sem medida. Coube à imprensa e às organizações de direitos humanos montar o quebra-cabeças ao longo dos anos. Mas ainda não sei se a imagem daquelas bombas na mala do carro existiu mesmo ou é fruto da minha fértil imaginação.
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Um comentário:
Muito fértil, caríssimo escritor, muito fértil.
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