quarta-feira, 4 de maio de 2011
2547) A decadência das novelas (4.5.2011)
(Lauro César Muniz)
Eu tenho uma relação ambivalente com as telenovelas. Por um lado, divirto-me muito em criticá-las. Desde a adolescência me acostumei a agir assim porque se pressupunha que um intelectual de verdade deveria ridicularizar as novelas. Depois que me tornei um intelectual de verdade (OK, há controvérsias), descobri que as novelas são em essência algo muito parecido com duas coisas que eu gostava: os folhetins do século 19 e a pulp fiction dos anos 1930. E surgiu daí o outro lado. Continuo a criticar as novelas, hoje, mas não mais porque considere o gênero um fenômeno imbecilizador das massas. Nada disso. Critico-as porque passei a achar que uma telenovela é um gênero cheíssimo de possibilidades criativas, mas que tem sido consistentemente mal aproveitado – por falta de inteligência e de talento, às vezes; outras vezes, por falta de ousadia e de coragem para fazer algo de novo e de diferente.
Sempre que me pedem exemplos de uma novela boa, dou logo três: Roque Santeiro de Dias Gomes e Aguinaldo Silva, Vale tudo de Gilberto Braga e Renascer de Benedito Rui Barbosa. Muito diferentes entre si, cada uma dela possivelmente com alguns problemas de narrativa, de elenco, sei lá; mas cada uma delas mostrou que dentro das óbvias limitações do gênero é possível fazer coisas boas. Para não dizerem que só elogio as antigas, eu diria que A Favorita de João Emanuel Carneiro provavelmente foi tão boa quanto estas. Só não o afirmo pra valer porque não a acompanhei, mas vi numerosos capítulos salteados, e achei originais a idéia e a execução.
Li há pouco uma entrevista de Lauro César Muniz à Revista E, do SESC de São Paulo (abril 2011, número 10). Lauro César é o autor de clássicos da novela como O Casarão, Espelho Mágico, O Salvador da Pátria, e de minisséries como Chiquinha Gonzaga e Aquarela do Brasil. É, portanto, alguém de dentro do mundo das novelas, alguém sem preconceito com o gênero. Não é um intelectual que esnoba a TV, longe disso. Pois vejam o que LCM tem a dizer sobre o estado atual da telenovela.
“[A perda de qualidade da dramaturgia ocorreu] no momento da queda do muro de Berlim, com o fracasso total do socialismo. Quando esses fatos históricos ocorreram, em 1989, a sociedade tinha a ilusão, com o início da globalização, de que não haveria mais conflitos entre os países. Com a abertura política no Brasil, nós, que fazíamos uma dramaturgia política, passamos a ser mal vistos. Estava em voga a crônica da felicidade. A telenovela tornou-se pouco crítica aos costumes sociais. Hoje, encontro uma juventude que nega a história política do país. Estão preocupados apenas com o presente. Não os condeno, pois nasceram sob outra ótica”.
É irônico perceber que as novelas que ridicularizávamos nos anos 1970, feitas durante a ditadura, são imensamente mais politizadas e mais questionadoras do que as de hoje, na época da liberdade. Liberdade pra quê, cara pálida?
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6 comentários:
Braulio,
Há muito tempo não acompanho nenhuma novela (desde a minha adolescência) e concordo contigo quanto à Roque Santeiro e Vale Tudo. O principal problema das novelas atuais é que, como a maioria dos programas de TV, o objetivo é a busca pela audiência. Os primeiros capítulos de uma novela são gravadas com antecedência, porém, ao final desse período, o resto da história é ditada pelas preferências do público. Isso limita qualquer pretensão artística desse gênero.
Venho empiricamente pondo em prova a decadência do gênero teledramatúrgico. O que pode ser relativizado: a narrativa longa, na televisão, dilui o conteúdo, e o princípio ativo passa a fazer efeito, ainda que o público dê alguma resposta, de modo muito mais demorado. Tem novela que se arrasta, ainda assim negando o fracasso nos extertores dos últimos capítulos, e tem novela que responde melhor aos apelos do telespectador.
Esse gênero, por se tratar de obra aberta, o autor pode tirar o foco do protagonista meia-bomba redireionando-o para um coadjuvante que a princípio estava apagado mas que acabou por brilhar mais do que os holofotes - sabe-se lá por que motivo, mas que atende mais o gosto popular e gera, como disse Rodrigo números ao IBOPE.
De todo modo, seria interessante, neste momento, repensar o que podería ser feito na recauchutagem da telenovela. Acho que outros modelos como a mexicana ou a americana, vide minisséries da tv por assinatura, não viriam a calhar. Talvez uma revolução de linguagem e reposicionamentos de pontos de vista, o que talvez resvale em UTOPIA esta fala, porque muitas vezes, operar mudanças como esta que sugeri pode esbarrar no discurso do poder, que talvez não esteja muito interessado em arregaçar as manguinhas e dizer:
- E a minha gente? O que lhes aflige?
Abraços, BT.
Kdu
Poxa li essa matéria hoje no Jornal da Paraiba, passei por isso na faculdade, os intelecutais sempre criticando novelas, ainda assim sempre vi algo d epositivo nelas, entre a lisat d enovelas eu colocaria Tieta, que foi muito bom. Hoje as que estão passando são realmente ruins! vlw Braulio!
Os enredos das novelas estão cada vez mais repetitivos. Tenho a impressão de que se assistir a uma assistirei a todas. Vi esta semana, pela enésima vez, a cena de um vilão que põe sonífero no chá do mocinho e blá blá blá. Isso já encheu.
Aliás, este 'cara pálida' no final me é muito familiar. rsrs
Giovana, na TV há uma lei não-escrita que diz: "Na dúvida, não invente; use o que já deu certo antes".
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