O jornal literário Rascunho, de Curitiba, prestou em seu número de março uma homenagem ao crítico Wilson Martins, falecido no final de janeiro.
Wilson foi um grande “livre atirador” da crítica literária, à qual procurou impor critérios que me parecem os melhores para avaliação não apenas dos clássicos, mas dos novos autores que surgem a cada ano. Extraio do artigo de Rodrigo Gurgel um trecho do mestre, sobre o ofício que exerceu.
“A crítica que fazemos hoje [dizia WM], como a ciência que hoje realizamos, não são necessariamente melhores que as dos nossos antepassados; e se de fato temos motivos para julgá-los melhores, a explicação deve ser outra que a idéia, supremamente discutível, de que nos encontramos num pináculo. (...) Não é com ilusões desse porte que se pode estabelecer nem uma sólida ciência nem uma crítica sólida.”
Para muitas mentes isto pode parecer um contra-senso – será possível, então, que nossa visão crítica da literatura ainda esteja no mesmo estágio em que estava cem anos atrás? Duzentos, quinhentos anos atrás? Então de nada adiantou o estudo das línguas, dos estilos, dos gêneros, as descobertas estruturais, psicológicas, narrativas? Continuamos tão ignorantes quanto os nossos antepassados?
Este receio infundado ocorre para os que têm uma visão evolutiva da cultura e acham que a cultura, com o passar do tempo, atinge estágios superiores de desenvolvimento. É uma verdade apenas parcial. Claro que os últimos cem anos produziram uma quantidade assombrosa de instrumentos críticos para analisar obras literárias. Esses instrumentos surgiram como eco ou reflexo de descobertas feitas em outras áreas (psicologia, linguística, etc.) ou então como respostas da crítica literária a obras que a inquietaram, e a forçaram a criar novos parâmetros. (Ou pelo menos é assim que eu vejo esse diálogo: a obra expande a literatura, a crítica recria-se a si própria para poder assimilar essa literatura expandida.)
Eu, por exemplo, tenho os meus instrumentos críticos para apreciar a literatura, e não os troco pelos instrumentos de que dispunha (por exemplo) Machado de Assis. Não porque julgue os meus necessariamente superiores aos dele, mas porque os meus me servem para ler a literatura do meu tempo (e qualquer outra) dentro do meu mundo.
Literatura e crítica, num aspecto, se equivalem: ambas são parte do mesmo caldo espesso de idéias, imagens, e conceitos que nos ajuda a entender o mundo em redor. Cada época tem seu caldo específico.
Um sujeito como eu, hoje em dia, estuda as obras literárias que lê comparando-as a filmes, canções populares, programas de TV, sei lá que mais. Tudo isto se articula à literatura. No tempo de Machado, a literatura era justaposta aos clássicos gregos e latinos lidos no original, à ópera, etc. O mundo das idéias pulsa e transforma-se, expande-se e encolhe, evolui e involui, muda o tempo inteiro. Não estamos num pináculo, estamos apenas no centro de nós mesmos.
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