quinta-feira, 20 de maio de 2010

2062) Dom Hélder e a FC (17.10.2009)




Na enquete L’Effet Science-Fiction, dos irmãos Igor e Grichka Bogdanoff ((Éditions Robert Laffont, Paris, 1979), cartas foram enviadas a pessoas famosas do mundo inteiro, inclusive chefes de Estado (reis, presidentes, príncipes, o Papa) com uma pergunta singela: “Qual é a sua opinião sobre a ficção científica?” 

O livro resultante é aquilo que um redator apressado sempre chama “um fascinante painel” de opiniões desencontradas, umas bem fundamentadas, com boa visão crítica e conhecimento de causa, e outras “que não pegam nem uma letra”. 

Ao folhear esse livro sempre me chamou a atenção o fato de que entre tantos literatos e gente importante apenas um brasileiro havia sido consultado a respeito da FC. Fico com vontade de abrir aqui nesta coluna um concurso, e oferecer meu exemplar do livro, autografado, a quem acertar quem foi. Mas ia dar muito trabalho, e prefiro ir direto ao ponto. 

O brasileiro procurado pelos autores foi Dom Hélder Câmara, nosso querido arcebispo de Olinda e Recife, que na época (meados dos anos 1970) estava muito em foco na imprensa francesa pela sua luta contra a ditadura militar e por ser um dos principais representantes da igreja progressista. 

Eis a resposta de Dom Hélder à pesquisa, numa carta datada de 20-10-1977 (estou traduzindo do texto em francês no livro): 

“A ficção científica tem por papel primordial fazer ver por antecipação o que será o amanhã. Naquela noite, inesquecível para mim, em que o homem caminhou na superfície da Lua, havia um menino ao meu lado. O que me chamou a atenção foi que o menino não estava surpreso. Para ele, o fato verdadeiro que se via lá no alto era idêntico ao que ele já lera em livros de ficção científica. A ficção científica é às vezes mais real que a própria realidade. Tenho certeza de que a viagem para as estrelas será possível, mais cedo ou mais tarde, e que esse momento deverá assinalar o segundo nascimento do Homem. O Homem por entre as estrelas é uma coisa que não escandaliza Deus”. 

Acho que de um bispo não se pode esperar juízo mais equilibrado ou mais simpático. Dom Hélder é perceptivo ao registrar sua opinião comparando duas gerações, a sua e a do menino. Ele era de uma época em que “A” era realidade e “B” era ficção; o garoto já vivia numa época em que as duas coisas se misturavam. 

Outro aspecto interessante é o recurso quase pavloviano a equacionar a FC e as viagens espaciais. A esmagadora maioria das pessoas resume a FC à viagem espacial. É um clichê quase obrigatório. Quantos leigos, indagados sobre a FC, dão exemplos relacionados à biologia, à sociologia ou à neurologia? Quase ninguém. Todos recorrem a imagens como planetas, espaçonaves, alienígenas, etc. 

Por fim, vale lembrar a FC inspirada por Teilhard de Chardin, desde Hyperion de Dan Simmons até The Omega Point de George Zebrowski. Uma cosmologia cristã harmonizando a expansão da espécie humana e sua espiritualização mediante o contato com o Universo.











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