quarta-feira, 3 de março de 2010
1740) Machado: “A Cartomante” (8.10.2008)
Entre os contos de Triângulo Amoroso da obra de Machado é certamente o que tem desfecho mais trágico e inesperado. Machado fugia do melodrama como um Maestro da Sinfônica foge da axé-music. Não era dado a desfechos sanguinolentos, nem a cenas de violência física. Por isso mesmo as últimas três linhas deste conto estão entre as mais surpreendentes de sua obra. Acostumados aos seus finais pacatos, os leitores se vêem de repente projetados no mundo de Rubem Fonseca ou Dalton Trevisan.
Falei Triângulo Amoroso, mas gostaria de propor um refinamento para este conceito já tão desgastado. Triângulo Amoroso só ocorre quando os três participantes do “affair” amoroso se conhecem, se relacionam. Nos casos em que as duas pessoas rivais não se conhecem, ou se conhecem apenas à distância, o que temos é um Ângulo Amoroso, com uma pessoa no vértice, unida às outras duas, as quais, contudo, não estão ligadas entre si.
Não é o caso aqui. Vilela, Camilo e Rita são um típico trio machadiano, pronto e maduro para as cerimônias da traição. É a tal coisa, amigos. Machado é como um velho clínico geral que, dia após dia, vê passarem pelo seu consultório pessoas que vivem variantes da mesma situação, tão velha quanto Adão, Eva e a Cobra. O marido é casmurro e tem um amigo alegre; o marido é tímido e tem um amigo descolado; o marido é apático e tem um amigo encantador; o marido é ausente e tem um amigo disponível.
É o que ocorre com os protagonistas de “A Cartomante”, em que Camilo, meio sem querer, mergulha num caso com a esposa de Vilela, o amigo que o ampara e protege. Quando os dois menos percebem, estão apaixonados: “A velha caleça de praça, em que pela primeira vez passeaste com a mulher amada, fechadinhos ambos, vale o carro de Apolo. Assim é o homem, assim são as cousas que o cercam”. Encaminham-se para a desgraça, porque Camilo recebe uma carta anônima dizendo que “a aventura era sabida de todos”. Daí para que uma carta semelhante chegue aos olhos do marido a distância é pouca, e o rapaz se afasta. (Também Brás Cubas recebe cartas desse tipo.) Rita pensa que ele se afastou porque não a ama mais, e vai à cartomante. Esta, que não é besta, lhe diz que está tudo bem.
Camilo, ao receber um bilhete de Vilela chamando-o às pressas à sua casa, desconfia, e resolve também consultar a cartomante. Paga-lhe cinco vezes o valor da consulta, para ouvir “que não tivesse medo de nada... nada aconteceria nem a um nem a outro... ele, o terceiro, ignorava tudo...” Refeito, recomposto, renascido, Camilo toma o tílburi, contempla eufórico a Natureza, faz as pazes com o passado e o futuro, e parte, nos últimos parágrafos, para a casa da amante e do amigo.
Camilo e Rita pertencem àquela camadazinha superficial da humanidade, que paga caro para ouvir mensagens tranqüilizadoras de uma assessora esotérica, enquanto recusam a evidência dos fatos, e a ameaça que as cartas anônimas tornam muito clara.
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