(Aristóteles)
Volta e meia a gente encontra por aí a palavra “húbris” (substantivo masculino, mesma forma no singular e no plural), principalmente em análises de tragédias teatrais, ou de acontecimentos políticos. O sentido moderno de “húbris” é arrogância, excesso de auto-confiança, desprezo pelos demais, que leva o indivíduo a auto-glorificar-se e a humilhar os derrotados. Nas tragédias clássicas, húbris é aquela pose de superioridade orgulhosa que alguém ostenta quando está “por cima”, e que, por obra e graça do dramaturgo, será devidamente castigada com as tragédias e catástrofes do terceiro ato.
Pessoas cujo sucesso lhes sobe à cabeça e passam a achar-se acima do Bem e do Mal estão acometidas de húbris. Países que ganham uma guerra e impõem castigos humilhantes aos povos vencidos estão indo pelo mesmo caminho. Políticos que se deslumbram com uma posição de Poder e acham que o Poder lhes pertence passam muitas vezes a ser exemplos vivos de húbris, perseguindo adversários, metendo a mão na grana de forma acintosa, adotando uma pose imperial e tratando todo mundo a pontapés.
Aristóteles assim definiu o conceito de húbris: “Húbris consiste em dizeres ou fazeres coisas que causam vergonha à tua vítima, não porque algo possa vir a te acontecer, nem porque algo te aconteceu, mas apenas para tua própria satisfação. Húbris não é um acerto de contas por injúrias passadas: a isto chama-se vingança. Quanto ao prazer envolvido na prática de húbris, sua razão é esta: os indivíduos pensam que tratar mal os demais aumenta a sua própria superioridade”.
Pois é, eu gostaria de ver Aristóteles, vestido naquele lençol branco que parece ter sido sua indumentária oficial, sentando-se de binóculo em punho na Tribuna de Honra do Estádio (por exemplo) Santiago Bernabeu, para assistir à exibição do Real Madrid com seu elenco de galácticos. Jogadores que já ganharam todos os títulos coletivos e todas as honrarias individuais que o futebol pode proporcionar, jogadores de gênio que têm consciência da própria genialidade, que sabem o que fizeram e do que são (ou já foram) capazes, adulados por uma multidão de assessores e empresários, seduzidos pelas beldades da moda. Tudo conspira para que, nessas circunstâncias, eles se reclinem na languidez dos domesticados, e percam a agressividade criativa indispensável para jogar, para pintar, para escrever, para atuar. Uns conseguem. Outros não. C’est la vie.
Aqui no Brasil criamos um conceito tropical e festivo de húbris. Não basta ganhar: é preciso golear, e depois tripudiar sobre o adversário vencido. Vitórias de 1x0 ou 2x1 nos parecem insuficientes para “o melhor futebol do mundo”; só gostamos de 4 pra cima. E depois do placar garantido, é a hora de pedalar, de dar chapéu, de passar a bola por entre as pernas, de trocar 25 ou 30 passes diante do adversário exausto, de fazer embaixadinhas dentro da área. Cuidado. Os deuses do futebol, sentados ao lado de Aristóteles, tudo vêem, e nada esquecem.
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