Revi em DVD este filme de 1978, na época em que Arnaldo Jabor, hoje um dos nossos mais ferozes estilingues, trabalhava como vidraça. Se bem que Jabor, como cineasta ontem e como comentarista de TV hoje, sempre foi um bodoque, uma balieira. Vez em quando discordo de suas opiniões, principalmente sobre política. Mas, e daí? Ele provavelmente também discorda das minhas, então estamos quites, e o proveito da leitura é o mesmo.
Em Tudo Bem (com roteiro de Leopoldo Serran) uma família de classe média reforma seu apartamento, que fica ocupado por um bando ensurdecedor de operários quebrando paredes, raspando pisos, etc. A convivência forçada desorienta os donos da casa, Juarez (Paulo Gracindo) e Elvira (Fernanda Montenegro), um casal maduro em crise. O filho (Luiz Fernando Guimarães) é um carreirista que trabalha com Relações Públicas. Um pedreiro (José Dumont) é despejado e traz a família para se abrigar ali. Uma empregada tem uma crise mística e vê nascerem em seu corpo as chagas de Cristo. Um operário mata outro numa discussão. Juarez dialoga o tempo inteiro com os fantasmas (que só ele vê) de três amigos de juventude: um industrial falido, um militante integralista e um poeta.
Na cena final, o novo apartamento é inaugurado enquanto Elvira tenta esconder as manchas de sangue no tapete e o operário assassinado é velado na área de serviço. Um gringo (Paulo César Pereio), noivo da filha do casal (Regina Casé) faz um longo discurso exaltando a modernização trazida pela TV via satélite: “Pelé dá um chute pelo New York Cosmos, e pimba! Gol no Maracanã!”
O filme é uma polaróide de sua época (inclusive nas canções de MPB que os personagens cantarolam o tempo todo: Belchior, João Bosco...) e produz, 30 anos depois, uma série de ressonâncias. A TV por satélite daquele tempo é a Internet de hoje. Uma possibilidade, para a classe média, de se inserir no consumo globalizado, no cosmopolitismo, anulando o Atlântico para se engatar à Europa e aos EUA. A equação social armada por Jabor defronta patrões e empregados. Nordestinos e operários são vistos como “o Outro” em relação à classe média carioca. O enredo, compreensivelmente, não consegue antever a dimensão dos problemas que explodiriam depois de três décadas: a droga, o crime organizado.
Exageradamente teatral (como a quase totalidade do nosso cinema), o filme vale menos pelo Raio-X sociológico do que pela carnavalidade das situações a que os atores se entregam com gosto. Às vésperas da Anistia, o alegorismo indecifrável dava lugar a provocações debochadas com endereço certo. É notável o discurso ufanista tecnológico com que a classe média da época (ironizada por Jabor) saudava a TV via satélite, sob pretextos de integração nacional (um objetivo estratégico da ditadura), educação coletiva, inserção no Mercado, etc. Com DDD, DDI, celular, Internet, Orkut, YouTube e Google continuamos na mesma cantilena, enquanto o bafafá na área de serviço foi elevado ao cubo.
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