sábado, 18 de julho de 2009

1161) Universos Comunicantes (2.12.2006)




Certamente há precursores mais remotos, mas ao que eu me lembre foi Balzac o primeiro romancista a tentar unificar todos os seus ciclos de romances como partes de uma única e gigantesca história. Li muito pouco da sua “Comédia Humana”, mas os livros do tradutor Paulo Rónai são ricos em referências a respeito desse trabalho incessante do autor, revisando livros antigos, substituindo e unificando nomes de personagens, para que um sujeito que é protagonista numa história tenha uma aparição breve como coadjuvante noutro livro de dez anos antes ou dez anos depois.

Todo autor gosta de, a certa altura, voltar atrás e dar uma mexidinha num livro antigo, para criar um portal, uma conexão entre ele e outro livro. Na reedição recente do Romance da Pedra do Reino, Ariano Suassuna resolveu assumir que dois figurantes de rápida aparição, os picarescos “Piolho” e “gordo Adauto” (que surgem no final do Folheto LXXVIII), são na verdade João Grilo e Chicó, a dupla do “Auto da Compadecida” – unificando, assim, as suas duas Taperoás.

Isaac Asimov também não resistiu. Nos anos 1980, ele já havia marcado sua presença no mundo da ficção científica com dois ciclos de histórias: o ciclo dos robôs, em que postulava a criação de robôs inteligentes e obedientes, e o ciclo da Fundação, onde ele contava a criação de duas Fundações científicas destinadas a preservar a ciência e salvar a galáxia de um ciclo de obscurantismo. Eram dois universos estanques, distantes no Tempo, sem relação entre si, mas Asimov, depois dos 60 anos, decidiu unificá-los. A dificuldade principal era o fato de que nas histórias da Fundação não existiam robôs, mas ele contornou o fato postulando a evolução dos robôs metálicos para andróides com aparência humana, de modo que muitos dos personagens “humanos” do futuro eram na realidade andróides.

Existe um movimento instintivo de nossa mente em busca dessa unidade, em busca da crença de que todas as histórias acontecem num universo só. Eu estava lendo uma crítica do filme House of Frankenstein de Erle C. Kenton (1944), onde se dá o famoso encontro entre o monstro de Frankenstein, o Conde Drácula e o Lobisomem. Estas tentativas de misturar vários universos são fascinantes pelas suas implicações de ordem psicanalítica e mitológica, embora em geral resultem em filmes grotescos. Mas o resenhador do filme observa a certa altura que a ressurreição de Drácula é contraditória, pois em Dracula’s Daughter de Lambert Hillyer (1936) o corpo do Conde havia sido cremado por sua filha.

Buscar continuidade entre esses produtos híbridos da cultura-de-massas é tão absurdo que deve corresponder a um instinto profundo de nossa mente, alguma coisa num nível neuronial. Para mim, o mais interessante é que essas histórias sejam estanques, e recomecem do zero a cada vez. Como os desenhos animados de South Park, em que o personagem Kenny morre em cada episódio e recomeça vivinho da silva no próximo, para morrer de novo.

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