segunda-feira, 20 de abril de 2009

0987) As brumas da História (16.5.2006)




(R. A. Lafferty)

Num artigo sobre Roma Antiga no número de fevereiro da The New York Review of Science Fiction, Darrell Schweitzer faz alguns comentários sagazes a respeito das mudanças nos conceitos de História e de relato histórico, ao longo dos séculos. 

Ele está comentando o livro The Fall of Rome, de R. A. Lafferty, escritor erudito e inclassificável que tornou-se famoso no mundo da ficção científica produzindo dezenas de livros esquisitos e memoráveis, que não se pareciam com nada escrito por quem quer que fosse. 

Era um dos “oddball stylists” que comentei nesta coluna (“Os estilistas excêntricos”, 30.11.05). Lafferty escreveu uma história da queda de Roma repleta de diálogos improváveis, aparições de fantasmas, encontros entre personagens cuja existência nenhum historiador registra...

Diz Schweitzer que no período histórico sobre o qual Lafferty está escrevendo, ou seja, o final do século IV d.C., 

“...a História era uma das modalidades do discurso literário, juntamente com o diálogo, o poema épico, a epístola, a sátira, e, lá embaixo da pilha, o romance ou novela, que nesses tempos clássicos tendiam a ser histórias escritas em grego rudimentar. (...) Os antigos pensavam na História como uma espécie de épico em prosa. Era perfeitamente aceitável inserir longas falas atribuídas aos personagens, se isto era o que a pessoa poderia ter dito, ou deveria ter dito. A idéia da antiga historiografia, como eu a entendo hoje, quase dois mil anos depois, era moldar e reconstruir o significado do que ocorrera no Passado. Não era uma simples reportagem, mas algo mais próximo à codificação de um mito”.

Será preguiça mental minha, ou é exatamente isto que os nosso romances históricos de hoje em dia fazem? O romance histórico é considerado um gênero mais realista do que (por exemplo) a ficção científica ou os romances de vampiros, mas somente pelo fato de que nele não aparecem coisas “que não existem”, como alienígenas ou nosferatus. 

Todos esses romances sobre a Idade Média, sobre o Rei Artur, sobre os Faraós egípcios, sobre a Inglaterra vitoriana, são vendidos como literatura realista, e a maioria das pessoas que os lê acredita que inventado, ali, só o elenco principal; todo o resto corresponde escrupulosamente à verdade.

Não é bem assim. Mesmo depois de esforços gigantescos para transformar a História numa ciência, cabe sempre à nossa imaginação (mesmo uma imaginação cientificamente cautelosa) a tarefa de preencher as lacunas, sempre maiores e mais vastas do que as áreas cobertas de informação. Ao preenchê-las, acabamos inconscientemente criando fatos, pessoas, situações que têm a ver como a época em que escrevemos, não com a época descrita. 

Como em certas pinturas renascentistas, em que cenas da crucificação de Cristo mostravam personagens vestindo roupas da época do pintor, e nem este nem o seu público se incomodavam com o anacronismo.







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