domingo, 12 de abril de 2009

0968) A palavra “oxente” (23.4.2006)





(ilustração: Camilo Borges)

Esta palavra é muito usada por pessoas que querem dar um “tom nordestino” ao que falam ou escrevem. O mesmo se dá com “barbaridade” ou “che” para o falar gaúcho, ou “uai” e “trem” para o falar mineiro. “Oxente” (e sua forma reduzida e igualmente frequente, “ôxe”) significa “Ô, gente!”, e é uma exclamação de surpresa, susto ou estranheza diante de algo. Expressões equivalentes seriam: “Ué!...”, “Puxa vida!”. Exemplos: “Oxente! E você já voltou? Você não falou que ia passar a tarde toda lá?” “Oxente, cadê aquele dinheiro? Eu era capaz de jurar que tinha botado nesse bolso.” “Oxente... Que confusão é aquela? Eu é que não vou passar por ali, pode ser briga!”

Cariocas e paulistas erram muito quando empregam este termo. O erro mais evidente é o da pronúncia. Como eles foram informados de que a origem do termo é a expressão “Ó gente”, sempre pronunciam com o “o” aberto: “Óxente”. Por que? Um bom exemplo é o famoso verso de Catulo da Paixão Cearense em “Luar do Sertão”. No meu modo de ver, escreve-se corretamente assim: “Não há, ó gente, oh não, luar como este do sertão...” O primeiro “ó” é uma interjeição “de chamamento ou interpelação”, segundo o Dicionário Houaiss. O segundo, “oh”, é uma interjeição que expressa “surpresa, desejo, repugnância, tristeza, dor, repreensão” (no caso, creio, surpresa com a beleza do luar). O mesmo Dicionário registra “oh” com pronúncia fechada (“ô”), como pronúncia “informal” e com o mesmo sentido da anterior. Ou seja: a interjeição com vogal aberta é a forma culta, com vogal fechada é a forma popular.

Diante disto, só me resta concluir que “oxente” não vem de “ó gente”, mas de “oh gente” em sua forma popular, com o “o” fechado. É assim que pronunciamos: “ôxente”, e a melhor confirmação é o nordestiníssimo “ôxe!”, forma reduzida que tem a mesma função da forma mais longa. O Houaiss também registra “oxente” (que curiosamente vem antes de “oxford”, “tecido de algodão ou sintético, geralmente de listras simples ou cruzadas, usado especialmente em camisas”). Segundo ele, “oxente” exprime “estranheza ou espanto”, e também se diz “oxe” (com “ô”, fechado). Sendo assim, não procede a indicação do próprio Dicionário de que se trata de uma forma aglutinada de “ó gentes”. Seria, isto sim, forma aglutinada de “oh gentes”, de acordo com a interpretação dada a “oh” (vide parágrafo acima).

Discussão ociosa e bizantina? Nada disso, amigos. Há que usar direito as palavras. Ouço gente dizer aqui no Rio: “Tem que fazer isso direito, oxente!” E a pronúncia é como se dissesse: “Tem que fazer isso direito, rapaz!” O que diabo é isso? Não sei. Rarissimamente usamos “oxente” no fim de uma frase, e menos ainda com esta entonação, usando a palavra como que para designar o interlocutor. “Oxente” é admiração, estranheza, surpresa; é nossa primeira verbalização espontânea, inconsciente, diante de algo que nos espanta. A frase vem depois.





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