O concerto de rock está se distanciando cada vez mais do show de música popular tradicional. Música é música. Rock é música mais tecnologia. O objetivo de um show de música é mostrar canções. O objetivo de um show de rock é mergulhar o espectador numa experiência sensorial que consiste basicamente em sons e luzes. Estes sons e luzes são gerados em torno de canções, mas ganham tal autonomia que as canções nem precisam ser (e geralmente não são) grande coisa. Um show acústico do U-2 pode até ter umas boas canções (eles são bons letristas e músicos), mas essas canções renderiam muito pouco nesse formato.
Um artigo recente de William Gibson na revista Wired sobre um show do U-2 traz o ponto-de-vista de um escritor de ficção científica (o cara que criou a palavra “ciberespaço”) diante de uma das grandes exibições de alta tecnologia na indústria da música. Gibson lembra a contracapa de um LP do Pink Floyd em que o fetichismo high-tech do grupo se mostrava através de uma foto em que toda a aparelhagem eletrônica usada no show era enfileirada no chão, no meio de uma estrada, formando uma imagem simétrica com todos os instrumentos, amplificadores gigantescos, até as baquetas da bateria. A foto deixava bem claro que o rock não era mais produzido apenas com o velho trio guitarra-baixo-bateria. Amplificadores, pedais, sintetizadores & companhia passavam a ter um papel igualmente importante. Não se tratava mais de organizar notas musicais, mas de (literalmente) “fazer um Som”.
Já falei aqui (“O Zé Pelintra de Chumbo”, 20.3.2004) da massa sonora que constitui um show do Led Zeppelin, onde se pode saltar em segundos de um close sonoro onde percebemos o menor deslizar dos dedos num violão acústico para um ataque de Metal Ululante capaz de erguer nossos pés dez centímetros acima do chão. Essa esfera sonora sempre foi reforçada por uma esfera luminosa equivalente. A experiência visual que tive ao ver os Rolling Stones na Praça da Apoteose com “Bridges to Babylon” foi quase uma revelação tão intensa quanto o seu recado sonoro.
Paul McCartney abriu seu histórico show no Maracanã com um longo videoclip dirigido por Richard Lester. Agora, William Gibson comenta o novo show do U-2, “Vertigo”, e seu painel luminoso com 12 mil lâmpadas coloridas, controladas por computador, compondo os 12 mil pixels das imagens que se sucedem. Câmaras em infravermelho são dirigidas para a platéia, captando detalhes e jogando-as em enormes painéis. “Cuidado para não botar o dedo no nariz durante o show”, adverte o diretor de imagem, que manipula as câmaras com o auxílio de um console de PlayStation adaptado.
O megaconcerto de rock é uma esfera sensorial com 360 graus de experiência áudio-visual controlada. Sua medula continua sendo a música produzida pela banda no palco, mas seus efeitos se expandem para abranger som, luz, imagem, e a energia cega criada pela criatura de dez mil corpos e dez mil cabeças: a Platéia.
Um comentário:
Interessante essa reflexão sobre a postura no palco. Isso, sem sombra de dúvida, é um assunto com muitas interpretações e variações. Eu penso que a influência da industrialização nas apresentações fez com que a técnica do músico fosse supervalorizada por dispositivos audiovisuais. Mas, também encobriu os possíveis deslizes. Quando ouvimos alguém tocar violão em casa, facilmente percebemos o grau de precisão do instrumentista. Agora, com os efeitos sonoros e luzes, a música nos palcos, quando produzida com um aparato técnico-científico de espetacularização, dificilmente revela algum deslize do instrumentista.
Nessa semana, fiz uma comparação entre a vida humana e a natureza no meu blog. Citei o bambuzal, como símbolo de resistência, inclusive. Dê uma olhada.
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