(Umberto Eco)
Uma escritora espirituosa disse certa vez que ler um romance escrito por um crítico literário é a mesma coisa que fazer amor com um ginecologista. Nossa mente tem dois sistemas que se comunicam mas que em essência são independentes: um sistema criativo e um sistema analítico. Somos levemente esquizofrênicos. Tem um cérebro que sabe inventar, criar, produzir coisas originais, mas não sabe analisá-las. E tem outro que analisa com perfeição, mas não cria.
Um crítico precisa estar consciente, o tempo inteiro, não só do instrumental técnico da escrita, como também da História literária prévia. São estes os principais recursos que ele tem em mãos quando abre um livro alheio e começa a analisá-lo. Nenhum crítico, feliz ou infelizmente, começa a ler um livro do zero. Nenhum leitor o faz, na verdade; mas vamos reconhecer que o patamar inicial de um crítico (de um crítico culto, experimentado) é bem mais alto. E quando ele se mete a escritor, senta ao teclado e digita “Capítulo 1”, este grau de auto-consciência técnica pode se tornar mais um estorvo do que uma ajuda.
“Este parágrafo está muito seco, muito Graciliano”, pensa o crítico-romancista. “Preciso dar um temperozinho Jorge Amado: sensualidade, cor-local...” E lá vai ele. Na primeira revisão ele pensa: “Estou usando muito o discurso livre indireto, quando na verdade este trecho pede um pouco mais de narrador onisciente, de múltiplos pontos-de-vista...” E por aí vai. Estou caricaturando, é claro; mas se eu, que não sou crítico e que sou bem indisciplinado em técnica, estou volta e meia pensando essas coisas, o que dizer de um sujeito que estudou a vida inteira para isto, que vive disto?
Alguns indivíduos, no entanto, parecem um desmentido vivo a esta teoria. O primeiro de que me lembro é Umberto Eco, que não era propriamente crítico literário, era algo pior, era semiólogo. Um técnico altamente especializado, o tipo do sujeito de cuja vocação para a escrita criativa temos algum direito de duvidar. Escrever criativamente pressupõe um certo grau de espontaneidade, de intuição lúdica, de decisões inconscientes, de improvisos, de venetas inexplicáveis, de desobediência às regras, e de uma série de outros processos que parecem o inverso da mentalidade crítico-analítica.
Perguntaram a Eco por que tinha situado O Nome da Rosa na Idade Média, e ele respondeu: “Porque conheço a Idade Média melhor do que a época atual”. Creio que o que fez daquele livro um grande romance foi essa possibilidade de usar, sem as amarras da Historiografia, um ambiente, uma linguagem, um ambiente social e cultural com o qual ele tinha extrema familiaridade. A possibilidade de fazer uma paródia lúdica a um tipo de discurso que ele fora obrigado a ler a-sério durante décadas. A possibilidade de finalmente poder imitar afetuosamente a literatura popularesca (romances policiais e de aventuras) que manteve vivo nele o Leitor, que é a mãe do Escritor (o pai é o Crítico).
Um crítico precisa estar consciente, o tempo inteiro, não só do instrumental técnico da escrita, como também da História literária prévia. São estes os principais recursos que ele tem em mãos quando abre um livro alheio e começa a analisá-lo. Nenhum crítico, feliz ou infelizmente, começa a ler um livro do zero. Nenhum leitor o faz, na verdade; mas vamos reconhecer que o patamar inicial de um crítico (de um crítico culto, experimentado) é bem mais alto. E quando ele se mete a escritor, senta ao teclado e digita “Capítulo 1”, este grau de auto-consciência técnica pode se tornar mais um estorvo do que uma ajuda.
“Este parágrafo está muito seco, muito Graciliano”, pensa o crítico-romancista. “Preciso dar um temperozinho Jorge Amado: sensualidade, cor-local...” E lá vai ele. Na primeira revisão ele pensa: “Estou usando muito o discurso livre indireto, quando na verdade este trecho pede um pouco mais de narrador onisciente, de múltiplos pontos-de-vista...” E por aí vai. Estou caricaturando, é claro; mas se eu, que não sou crítico e que sou bem indisciplinado em técnica, estou volta e meia pensando essas coisas, o que dizer de um sujeito que estudou a vida inteira para isto, que vive disto?
Alguns indivíduos, no entanto, parecem um desmentido vivo a esta teoria. O primeiro de que me lembro é Umberto Eco, que não era propriamente crítico literário, era algo pior, era semiólogo. Um técnico altamente especializado, o tipo do sujeito de cuja vocação para a escrita criativa temos algum direito de duvidar. Escrever criativamente pressupõe um certo grau de espontaneidade, de intuição lúdica, de decisões inconscientes, de improvisos, de venetas inexplicáveis, de desobediência às regras, e de uma série de outros processos que parecem o inverso da mentalidade crítico-analítica.
Perguntaram a Eco por que tinha situado O Nome da Rosa na Idade Média, e ele respondeu: “Porque conheço a Idade Média melhor do que a época atual”. Creio que o que fez daquele livro um grande romance foi essa possibilidade de usar, sem as amarras da Historiografia, um ambiente, uma linguagem, um ambiente social e cultural com o qual ele tinha extrema familiaridade. A possibilidade de fazer uma paródia lúdica a um tipo de discurso que ele fora obrigado a ler a-sério durante décadas. A possibilidade de finalmente poder imitar afetuosamente a literatura popularesca (romances policiais e de aventuras) que manteve vivo nele o Leitor, que é a mãe do Escritor (o pai é o Crítico).
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