(ilustração: J. Emilio)
Finalmente em 2005 foi esclarecido um interessante mistério. Quem era o informante misterioso, apelidado “Garganta Profunda”, que repassava pistas e informações preciosas para os jornalistas do Washington Post, Bob Woodward e Carl Bernstein, ajudando-os a esclarecer o caso Watergate, e contribuindo para a ameaça de impeachment que provocou a renúncia de Richard Nixon? O fato se deu há mais de trinta anos, mas não perdeu a atualidade, ainda mais quando o Brasil inteiro começa a considerar a possibilidade (calma, eu disse: “a possibilidade”) de um processo de impeachment contra o presidente Lula.
Em janeiro de 1973 um grupo de arapongas foi preso invadindo escritórios do Partido Democrata para grampear telefones ou sei lá o quê. Logo se descobriu que trabalhavam para assessores diretor de Nixon. Seguiram-se longas batalhas jurídicas, com o Washington Post fornecendo a maior parte da munição, até que em agosto de 1974 Nixon tornou-se o primeiro presidente dos EUA a renunciar ao cargo. Sempre que o governo fazia manobras de despiste, “Garganta Profunda” marcava um encontro com Woodward e lhe dava indicações cruciais, como a famosa frase “Siga o dinheiro”. Ou seja: descubra de onde veio o dinheiro, e por onde passou, e você terá todos os elos da corrente.
Sabe-se agora que “Garganta” era Mark Felt, um alto diretor do FBI insatisfeito com a relação ditatorial que a Casa Branca mantinha com o FBI. OK, tudo isso está nos jornais e no livro O homem secreto de Woodward (Ed. Rocco), mas o episódio remexe num problema que na minha cabeça está mal-resolvido até hoje. Será que a delação é sempre vergonhosa? Pode existir um “dedo-duro” do Bem? Num tempo cínico e pragmático como o atual pode parecer uma questão irrelevante, mas passei minha juventude esgueirando-me entre as botas de uma ditadura militar, e a palavra “dedo-duro”, delator, denunciante, era o pior e mais asqueroso insulto que se podia dirigir a alguém. Muitos amigos foram delatados e morreram, ou passaram pela tortura. Delatar alguém era uma vergonha indizível, e a História mostra que não foram poucos os delatores que pagaram pelo seu crime com a vida ou com partes indispensáveis de sua anatomia.
Escrevi há algum tempo sobre Daniel Ellsberg (coluna de 6 de maio), o sujeito que em 1971 fez algo parecido: pegou documentos secretos do Pentágono, mostrando os “podres” da Guerra do Vietnam, e os repassou para a imprensa. Ellsberg e Felt eram funcionários do Governo, do qual dependiam, e ao qual tinham jurado lealdade. Mas foram capazes de admitir que o Governo a que serviam estava errado, tinha cometido crimes, e era seu dever comunicar esses crimes à nação. Ellsberg, que fez isto publicamente e deu a cara à tapa, me parece mais corajoso do que Felt, mas aqui não se trata de heroísmo pessoal, e sim de um compromisso maior: “Vou trair aqueles a quem servi até hoje, porque meu senso moral me diz que eles estão errados, e merecem pagar por isto”.
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