sábado, 14 de junho de 2008

0409) Os filhos alheios (11.7.2004)



(Eddie Carmel com seus pais - foto de Diane Arbus)

Ver crescer um filho alheio é uma importante lição de vida; às vezes mais educativa do que ver crescerem os nossos. Porque a verdade é que a gente não vê os nossos filhos crescerem. Nossos filhos crescem como as plantas do nosso jardim ou da nossa varanda: ao ritmo de um micromilímetro por dia. Crescem furtivamente como a nossa barba, as nossas unhas, ou a nossa cintura. Estão sempre ali, fazendo barulho, sempre idênticos, e tão imprevisíveis que mesmo as mudanças mais radicais passam despercebidas, porque pensamos que é apenas uma veneta nova que está demorando a passar.

Já os filhos dos outros crescem como os espigões da construção civil. A gente passa um dia numa esquina e lá estão os operários de capacete cor-de-laranja, pipocando suas britadeiras de encontro ao solo, fincando fundações, carregando cimento. Passam-se alguns dias, ou pelo menos é esta a nossa sensação, e quando passamos de novo já tem gente dando polimento nas vidraças da cobertura. Mal nos recuperamos da surpresa e, na vez seguinte, estamos tocando na campainha para visitar um amigo nosso que está morando no vigésimo andar.

Nossos filhos crescem pelo lento processo de aposição de novas e imperceptíveis camadas de vida sobre as camadas anteriores. Só temos noção de que o tempo passou por dentro deles quando ocorre um desses saltos qualitativos que não têm retorno: o primeiro passo, a primeira palavra escrita, a primeira menstruação, a primeira saída-de-casa-a-sós. (Guardo para mim, que sou “gourmet” de detalhes, prazeres mais refinados, como a lembrança do primeiro uso do futuro do subjuntivo, o primeiro livro de Sherlock Holmes, etc.)

O filho alheio, pelo contrário, parece só crescer aos saltos. Num dia, é um bebê que a gente segura no braço para uma foto, na festinha de aniversário. No outro, já é um adolescente magricela, cheio de espinhas. Na vez seguinte é um grandalhão com cavanhaque hip-hop e uma namoradinha que não é de se jogar fora. Sempre que visito amigos meus depois de algum tempo tenho que refrear o irritante clichê de “Fulano cresceu, hem?...” Crianças não sentem prazer em ouvir isto; adolescentes odeiam.. E não quero fazer como uma tia minha, que sempre que me reencontrava (eu já com 40, 45 anos) dizia, assombrada: “Menino, como Braulio tá grande!”.

Filhos alheios crescem aos saltos, como os bairros onde só vamos de vez em quando, ou uma telenovela à qual retornamos depois de alguns meses. Garotos a quem ensinei acordes no violão vêm hoje me presentear seu primeiro CD, fazendo com que eu me sinta vagamente cúmplice (e com um tremendo complexo de inferioridade). Mas o mais danado é você voltar a uma cidade onde já morou, ir a uma festa num bar, ser apresentado a uma moça simpática, dançar com ela, ficar todo animado, e ao encostar no balcão para tomar uma cerveja ouvi-la dizer: “Que legal a gente estar aqui... Mamãe fala tão bem de você!” É, amigos, o tempo não para.

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