Na década de 1970, foram os filmes de karatê e kung-fu vindos de Hong-Kong: de uma hora para outra, uma verdadeira febre tomou conta das salas de exibição, que nunca faturaram tanto. O público nunca tinha visto tanta porrada, e queiramos ou não o público gosta de ver porrada. Não é de admirar. Por baixo dos nossos 5 mil anos de civilização, temos 200 mil de porrada, que só foram interrompidos quando o macaco tocou no monolito.
A moda agora são os filmes chineses sobre espadachins, que têm sobre os antigos filmes de kung-fu duas vantagens: evitam a violência excessiva, e contam com “a mais avançada das mais avançadas das tecnologias”. Não acompanho muito essas modas, mas se não estou equivocado a história começou com o ótimo O tigre e o dragão de Ang Lee. Vendo a versão DVD desse filme, acompanhei os comentários do diretor e do roteirista, e uma coisa me chamou a atenção. Ao explicar as famosas cenas em que os espadachins voam sobre os telhados, ele diz: “A literatura da China é assim, os romances de aventuras são assim. Eles contam tudo numa linguagem cheia de exageros, e os leitores já esperam esse tipo de linguagem. Os personagens agarram uma flecha no ar com a mão, derrubam dez inimigos com um único golpe, correm por cima das copas das árvores, lutam dias e noites sem parar. O que nós fizemos foi simplesmente colocar isto na tela, utilizando os efeitos especiais do cinema de hoje”.
As incríveis façanhas dos arqueiros e espadachins do Clã das Adagas Voadoras, Herói e outros filmes recentes, são uma espécie de equivalente chinês dos nossos versos de cordel. Porque nós temos também as nossas historietas em versos onde um sujeito diz que foi ao porto de Alagoas, segurou um navio alemão, e “o oceano ficou da cor da lama, mas o navio só saiu quando eu soltei!”. Ou o cara que no meio duma batalha se encosta numa peça de artilharia: “o que é certo é que a peça detonou, mas a bala ficou na minha mão!” Ou o outro que dá uma “ombrada” num trem e o faz descarrilar por inteiro, mas fica com pena dos viajantes: “e novamente eu botei o trem no trilho, e o maquinista apitou e foi-se embora!” São versos imortais de João Martins de Athayde, que expressam muito bem esse deleite ingênuo e moleque das platéias não somente pela porrada – mas pelo impossível, pelo absurdo, pela façanha mirabolante contada na maior cara-de-pau.
A literatura popular do Ocidente está cheia disto. A mitologia grega, com seus “trabalhos de Hércules”, não é outra coisa. O folclore nórdico, hindu ou mexicano está cheio de heróis especialistas nestas proezas espantosas. O cinema, principalmente o cinema de hoje com suas técnicas 3-D e sua computação gráfica, está trazendo de volta o prazer infantil destas mitologias, destas histórias onde o impossível acontece, fazendo platéias de todos os continentes gritarem deliciadas em todos os idiomas: “Eita mentira da gota serena!”
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