quarta-feira, 15 de outubro de 2008

0601) Entre umas e outras (20.2.2005)



Entre os filmes em cartaz na Paraíba, há pelo menos um que vale uma olhada: Entre umas e outras (Sideways). É uma comédia leve, com roteiro interessante e bons atores. Para quem gosta de tomar vinho mas sente-se (como eu) totalmente ignorante na matéria, serve como um mini-curso sobre Enologia. Não ensina muita coisa, mas ajuda a gente a sair por aí fingindo que entende.

Os protagonistas são uma dupla de personagens muito comuns no cinema americano, o Complicado e o Conquistador. Já os vimos com Jerry Lewis & Dean Martin, Jack Lemmon & Tony Curtis, Woody Allen & Alan Alda e muitas outras parcerias. Neste caso, é um escritor que sofre as dores do parto do primeiro livro com chances de ser publicado, e um ex-ator de Hollywood que uma semana antes de casar resolve fazer uma viagem como despedida de solteiro. São dois bons atores, sendo que o Conquistador é um sujeito com cara de Schwarzenegger e cabelo de surfista.

Há uma seqüência brilhante em que os dois saem com duas garotas, têm um longo jantar com uma sucessão estonteante de vinhos, e depois vão para a casa de uma delas. O Conquistador não precisa de mais que dois minutos para chegar a um acordo com a morena. O Complicado fica transferindo a loura de um aposento para outro, puxando assuntos do fundo do baú, e evitando os olhares de autorização irrestrita que ela lhe telegrafa. É angustiadamente cômico, mas tem como clímax um belo e curto diálogo em que ele fala por que gosta do seu vinho preferido, e ela em troca lhe diz por que ama o vinho.

Sideways é um desses filmes que repousam inteiramente em personagens nítidos mas imprevisíveis, e um roteiro que não procura reinventar a roda. Jack e Miles têm a dose certa de rivalidade e lealdade, típica de amigos de infância, e é mérito do enredo fazer com que a cada momento um dos dois esteja se comportando de maneira absurda e o outro tente fazê-lo despertar para o bom senso. Essas alternâncias enriquecem os personagens, dão à história aquela sensação de que tudo pode acontecer.

Dizem que a tragédia grega repousa no conceito do Destino Irrevogável: os personagens sabem o que lhes vai acontecer, fazem de tudo para escapar, mas cada ação sua os empurra cada vez mais na direção do seu fim trágico. Bom, eu tenho pra mim que com a comédia acontece a mesma coisa. Em Sideways, está escrito na cara de cada um dos protagonistas que ele é um cara destinado a pagar certos micos, meter-se em certas enrascadas, amargar certos fracassos. Pouco importa que Miles seja um intelectual, pouco importa que Jack seja um sujeito experiente, rodado, que já passou por todo tipo de situação e que não esquenta muito a cabeça. A tragédia os espera ali na esquina. Ou melhor, a comédia. Se pudéssemos fazer com um personagem o que um enólogo faz com um gole de vinho, descobriríamos que a origem da tragédia de cada sujeito é a imagem que ele tem de si mesmo.

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