O filme de M. Nigh Shyamalan, Corpo Fechado (Unbreakable) mostra Bruce Willis no papel de David Dunn, um sujeito aparentemente invulnerável. Dunn é o único sobrevivente de um acidente de trem que mata centenas de pessoas. Ele não apenas sobrevive, mas escapa sem um arranhão sequer. Preocupado com isto, ele examina seu passado e percebe que jamais perdeu um só dia de trabalho por causa de doença; sua esposa não se lembra de tê-lo visto doente jamais, e o próprio namoro dos dois começou a partir de um acidente de carro em que se envolveram, e do qual David, pra variar, escapou ileso. Logo aparece um tal de Elijah Price (Samuel L. Jackson) com uma teoria mirabolante mas (é um filme) inevitável. David é um herói. Um sujeito superior, com poderes maiores do que os dos humanos normais, e sua missão na Terra é proteger os outros.
O filme tem desdobramentos que não caberia analisar nesta página, mas o tema do “corpo fechado” é mostrado aqui de maneira quase realista. O filho de David “compra” sem pestanejar a versão de que o pai é um herói, e uma das melhores cenas do filme é aquela em que o garoto aponta um revólver para o pai (a quem idolatra), disposto a enchê-lo de tiros e provar, assim, que ele é invulnerável. David nasce invulnerável, mas o “corpo fechado”, na maioria das culturas, é conseqüência de um ritual. Como não lembrar a cena de Deus e o Diabo na Terra do Sol em que o cangaceiro murmura uma prece que irá fechar seu corpo contra os inimigos: “Eu, José, com o sangue de Cristo serei batizado... eu, José, com o leite da Virgem Maria serei borrifado...”
Ter um corpo fechado de fora para dentro (inacessível às armas dos inimigos) tem às vezes como contrapartida ter o corpo fechado de dentro para fora, ou seja, um corpo que não pode ter contato vital com o mundo exterior. Em muitas culturas, o homem cujo corpo torna-se invulnerável é proibido de ter relações sexuais, ou, caso as tenha, não consegue gerar filhos. Em torno dele há uma espécie de película protetora que a vida e a morte não conseguem romper. O contato com o mundo sobrenatural exige muitas vezes o fechamento do corpo (daí o voto de celibato, tão comum entre as religiões). Profetas, pitonisas e clarividentes também podem ter seus poderes enfraquecidos ou anulados se se dedicarem ao sexo.
Há um curioso contraponto entre os papéis de Bruce Willis neste filme e em O Sexto Sentido, do mesmo diretor. Ali, Willis parece um homem comum, inadvertido do fato de que é um ser sobrenatural, diferente de todos os outros. É curioso também perceber que na série Duro de Matar Willis faz o protótipo do herói que, mesmo acabando o filme todo retalhado, machucado, queimado, é claramente invulnerável, porque sabemos que ali, sim, trata-se de um filme onde é proibido ao herói ser derrotado. Pode-se dizer que o filme de Shyamalan é uma tentativa de teorizar o Bruce Willis de Duro de Matar.
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