Em 2001, ao trabalhar num ensaio sobre a ficção científica contemporânea, comecei uma pesquisa na Internet sobre os “reality shows”, e pensei em calcular quantos havia em cartaz na TV do mundo inteiro. Na época, o único exemplo brasileiro era o “No limite” da Globo. Mal comecei a pesquisa, vi que tinha pegado na rodilha sem ver que o pote estava cheio. Havia centenas de programas, em dezenas de países. Desisti de contar todos, mas aí acendeu-se outra luzinha. Por que uma moda pega tão depressa? O que há nesses programas que faz deles um tal sucesso?
Minha primeira explicação foi: esses programas vendem “realidade”. As pessoas estão cansadas de novelas, filmes, encenações. Querem alguma coisa mais verdadeira, ou que pareça mais verdadeira. Em vez de ficar entra ano sai ano reencontrando Vera Fischer e Tarcísio Meira com roupas e nomes diferentes, seria bom ver uma história acontecendo e pensar: “Puxa vida, isso aí não são atores, são gente como eu, enfrentando problemas reais. Não é cena ensaiada não! Está acontecendo!” É esta a sensação que os “reality shows” prometem, e que faz os sismógrafos do Ibope desenharem naquele horário um gráfico que parece a Torre Eiffel.
Mas... ilusão trêda, como dizia Augusto dos Anjos. “Realidade” é a isca, não o produto. Esses programas podem não ser narrativas de ficcção, mas são tão manipulados, tão encenados, tão artificiais quanto qualquer programa de auditório. Já falei nesta coluna sobre o imenso exibicionismo dos participantes de coisas como “Big Brother”. Uma porção de gente metida a gostosona, fazendo pose na piscina, fazendo armação pelos cantos, enquanto prepara o trampolim para se dar bem: posar nua na “Playboy”, ou servir de arroz-de-festa na “night” até arranjar um casamento bem remunerado. As “tarefas” que enfrentam são constrangedoras para marmanjos como aqueles: contar bolinhas de plástico... resolver quebra-cabeças de nível “Cebolinha”...
Isso me lembra uma marchinha de carnaval que minha mãe cantava quando eu era pequeno: “No Brasil tem muito doutor / muita funcionária, muita professora... / Se eu fosse Getúlio eu mandava / metade dessa gente pra lavoura.” Veja só – o autor da marcha achava que havia professor demais. E o que dizer de quem aparece em “Casa dos Artistas”? Se eu fosse Boninho eu criava um “reality show” diferente. Abria inscrições para o “BBB 4”, e quando fossem escolhidos os candidatos, dizia que tinha mudado tudo. Eles iam ficar dois meses hospedados naquela casa, mas iam ter que passar 8 horas por dia trabalhando, com equipes gravando tudo. Trabalhando em quê? Não sei – tem tanta coisa pra ser feita, não tem? Limpar poluição no Rio Paraíba. Apagar pichações nos prédios. Localizar focos do mosquito da dengue na Baixada. Catar lixo nas praias e nos parques.
E o prêmio de 500 mil continuaria valendo, é claro. Meu amigo! Pra concorrer a 500 mil eu sou capaz de cortar um canavial sozinho.
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