Isabelle Astaing, 27 anos, moradora de Bas-Béthune, na França. Cresceu sem mãe e sem irmãos, criada pela avó materna. Quando tinha apenas um ano, seu pai, Jacques Astaing, num acesso de insanidade, invadiu uma igreja, fuzilou fatalmente seis pessoas, deixou mais onze feridas, e foi morto pela polícia. Sua esposa Marie-Frances morreu (“de desgosto e de vergonha”, dizia-se) meses depois, deixando a bebê para ser cuidada pela avó. A menina, quando ficou grandinha, ficou sabendo de tudo a respeito de seu pai, mas a avó a aconselhava a não tocar no assunto com ninguém da cidade, porque poderia ser alvo de preconceitos. Todos na cidade sabiam da história dos Astaing, mas viam a menina com simpatia. Ela cresceu tendo poucos amigos, e imaginando que ninguém sabe quem foi seu pai, porque ninguém lhe faz perguntas sobre a família. E assim ficam, ela e os outros, cada qual por motivos diferentes, evitando tocar no assunto, e se fazendo de desentendidos sempre que alguém inadvertidamente menciona o episódio da “Chacina da Église du Bon-Dieu”.
Chuck Hollinger, 38 anos, advogado em Manhattan, passou pelo
andar térreo do World Trade Center naquele dia fatal, duas horas antes do
atentado, para tomar o café da manhã numa lanchonete antes de ir para uma
reunião a alguns quarteirões dali. Na lanchonete, viu de longe um casal aos
beijos que reconheceu como sendo Steve Canby, 35 anos, e Sue Lavery, 29 anos,
que trabalhavam num escritório de advocacia no 81º. andar. Hollinger viu os
dois saírem de mãos dadas rumo ao estacionamento, ao invés de subirem ao WTC. Nos
dias subsequentes ao atentado, sem comentar nada com ninguém, ficou na
expectativa de notícias a respeito dos dois e de como talvez tivessem escapado
por pouco à destruição das torres. Semanas passaram, e através de cuidadosas e
discretas inquirições Hollinger soube que os dois eram dados como desaparecidos
pelas respectivas famílias. Ele nunca comentou o fato com ninguém.
Rivalda Barbosa, 44 anos, diarista de profissão, estava há alguns meses fazendo faxina semanal na residência do casal Almério, 38 anos, e Ludmila, 30 anos, que a tratavam de maneira formal e educada, e no curso desse trabalho, que em si não era nem mais nem menos desgastante do que o de outras residências, pôde perceber a tensão entre o casal, fruto principalmente do temperamento agressivo e até cruel de Almério, o qual chegava a agredir a esposa, embora nunca diante de Rivalda, que mesmo assim já tinha passado por isto e conhecia os sinais. Uma tarde, limpando o banheiro da suite, ouviu através da porta fechada Ludmila queixando-se a alguma amiga, e dizendo: “Mas não tem nada não, estou preparando meu esquema, qualquer dia eu desapareço.” Nada disse, nada comentou, mas algum tempo depois, ao arrumar a despensa, lugar onde Almério raramente entrava, fez por mero acaso uma descoberta, um nicho secreto, num tipo de esconderijo que só poderia ter ocorrido a uma mulher, “um esconderijo à prova de homem”, pensou Rivalda, enquanto apalpava e corria com o polegar o maço de notas amassadinhas de cem e duzentos reais; e nas faxinas seguintes, a curiosidade sendo tão grande, percebeu que o pecúlio secreto aumentava, como também as violências verbais de Almério, cada vez mais ciumento, mais desaforado, e Rivalda quando tinha um tempinho ia lá conferir e aquela poupança crescia, enchendo-lhe os olhos, ela Rivalda com a mãe doente, ela Rivalda com o aluguel em atraso, ela Rivalda precisando fazer um canal no pré-molar, e aquela pequena fortuna ali dando sopa, até o dia em que ela chegou para o trabalho e deu com a cara na porta fechada, e uma vizinha lhe explicou, excitadíssima, que Ludmila tinha sumido sem dar explicações, Almério estava furioso e desconcertado, mas, concluiu a vizinha, “ela não é nenhuma boba e a essas horas deve estar muito longe”. E Rivalda comentou: “Tomara”.
Padre Simeão, 58 anos, da paróquia de Bom Retiro (MG), recebeu com certo sobressalto, numa terça-feira à tarde, a presença em sua modesta igreja de D. Emerenciana Catunda, 76 anos. A matriarca da família Catunda-Matoso, dona da maioria das terras daquela ribeira, mulher feita de ferro e baraúna, vinha à missa todos os domingos há décadas, mas jamais se confessava ou comungava. O padre fez os rapapés de sempre e conduziu a anciã até o confessionário, de onde ela se retirou meia hora depois, carrancuda como viera ao mundo e como certamente haveria de deixá-lo. O Padre Florival, 32 anos, observou tudo à distância, num pé e noutro, e, depois de transcorrido um conveniente intervalo, abordou o colega mais velho para saber do que se tratava, uma vez que entre ambos havia uma confiança total, com o beneplácito (esperavam eles) da Justiça Divina. Padre Simeão, no entanto, enxugou o suor da calva, esquivou-se, mudou de assunto, resistiu o quanto pôde, mas finalmente teve que dizer: “Padre Florival, pelo menos desta vez – respeite o segredo da confissão!...” E nunca revelou nada.
Marilinha Muniz, 23 anos, roqueira, vocalista simultânea de várias bandas emergentes, como Canabidiol, Coração da Índia, As Barbitúricas e outras, casada com o tecladista Otávio Rabelo, 28 anos, apaixonadíssima pelo seu marido, e fiel, independentemente das numerosas cantadas que recebe no palco e fora dele, das quais sempre se esquiva com um sorriso de desentendida, mantém um pacto com Otávio, pacto de abertura total, franqueza total, de nada-esconder-um-do-outro, e agarra-se a ele com a inocência dos que amam de verdade, mas numa noite de julho, depois de um show numa boate de Mossoró, ela deixou-se levar por um fã para um dogão e uma Coca, uma hora de papo sobre a vida, a música, a juventude, e no fim de tudo estava tão animada com esses três aspectos que deixou-se beijar demoradamente pelo patrocinador do lanche, Luís Paulo Aléssio, 41 anos, nerd, virgem, que lhe confessou balbuciante ser aquele o seu primeiro beijo, e a fez prometer silêncio absoluto sobre o episódio, principalmente sobre este último aspecto, e Marilinha voltou intacta para o hotel e para casa e para os braços confiáveis de Otávio Rabelo, e há anos sua invulnerável felicidade vive não-obstante toldada por uma sombra, de saber que pelo menos naquele detalhezinho comprometedor, ela achou mais cristão e mais fofo ser menos fiel à palavra dada ao marido e mais fiel à promessa feita ao rapaz do dogão, coitado.
Valerii
Nikolaiévitch Raspov, 43 anos, co-piloto de um voo comercial Irkutsk-Moscou,
com 243 passageiros a bordo, viu como alarme a palidez tomar conta do rosto de
seu colega, o piloto Dmitri Ivanovich Tchernáiev, 46 anos, quando o avião foi
colhido por uma tempestade súbita e começou a chacoalhar, “era como se alguém
estivesse tentando usar a aeronave para preparar um martini”, declarou depois
Raspov. Por algum motivo Tchernáiev, piloto experiente, foi tomado por um
acesso de pânico, talvez consequência do ser tão afeito à vodka e aos remédios
tarja-preta; começou a suar abundantemente, com mãos trêmulas e olhos vidrados,
e daí a pouco estava encolhido em seu assento, todo urinado, incapaz de tomar
providências. Raspov isolou a cabine, ordenou aos comissários que acalmassem os
passageiros, assumiu o comando, enfrentou aquele Maelstrom atmosférico e meia
hora depois pousou a aeronave em segurança. A equipe de terra prestou socorro
imediato ao piloto, cuja coragem Raspov elogiou em seu relatório. À esposa de
Tchernáiev ele declarou: “Dmitri foi um herói, faça por onde ele seja um herói
vivo.” Curiosamente, o piloto Tchernáiev, depois de recuperado, cortou relações
pessoais com Raspov, a quem passou a acusar de ambicioso, carreirista e
difamador.
(I.A. -- Bing)
Alex Ramos, 25 anos, volante da equipe do Itumbiara,
perseguido e esnobado pelo técnico Wilson Maciel, 48 anos, guardando calado o
ressentimento pelas reclamações, críticas, comparações desestimulantes, viu
chegada sua hora quando durante um treino coletivo o técnico apitou mandando
parar e anunciou que tinha perdido a aliança, o que levou todo o plantel a
agachar-se no gramado à procura, cabendo a Alex, ao passar os dedos numa grama
alta junto à lateral do campo, ver o brilho do pequeno círculo dourado, e ter a
estranha reação de pegá-lo disfarçadamente e enfiá-lo entre a chuteira e o pé,
talvez com a intenção de fazer uma brincadeira mais tarde, talvez com intenção
de pedir algo em troca, talvez para esticar um pouco mais aquela pausa num
treinamento entediante, enfim, o próprio Alex ficou sem saber por que motivo
escondeu a aliança, que levou para casa após o treino e guardou embaixo de um
taco solto no quarto-de-empregada do apartamento em que morava e de onde se
mudou no ano seguinte, e onde a aliança continua até hoje, catorze anos depois.
5 comentários:
Muito boa onda.
Abraço do Cláudio (blues etílicos).
Os que mais gostei foram os de Marilinha e de Alex Ramos.
Quanto às imagens de IA, aquela do confessionário mostra que a IA não sabe bem como é a confissão pois, até onde sei, padre e fiel não se vêem assim como em uma janela - e sim separados por um anteparo.
Valeu, Cláudio... Blues na veia!
Paulo Rafael, um aspecto interessante da I. A. é que ela desconhece o mundo real, e faz recriações totalmente gratuitas de coisas simples (mãos com 6 dedos, etc.), de modo que o aparente realismo das imagens esconde detalhes totalmente aleatórios, meio surrealistas.
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