Uma literatura de fantasia heróica, como a fantasia de língua inglesa tão lida no Brasil (a trilogia de Tolkien, a série “Narnia” de C. S. Lewis, as “Crônicas de Gelo e Fogo” de George R. R. Martin) envolve uma identificação do autor e do leitor com um passado heróico pressuposto, carecendo ou não de verdade histórica. A fantasia não obedece à História, mas extrai dela sua verossimilhança. E ganha muito quando autor e leitor têm um passado em comum, ainda que seja um passado meramente mitológico, imaginário.
Uma fantasia brasileira pode recorrer às nossas fontes
portuguesas e ibéricas. Afinal, se os norte-americanos de hoje podem escrever
sobre os celtas, por que não poderíamos nós sobre os iberos? (Atenção: a
pronúncia é “i-BÉ-ros”, e não “íberos”). É algo que literariamente é tão nosso
quanto dos nossos primos portugueses.
A Escola de Sagres, por exemplo, foi a NASA do século 15, do
tempo das grandes descobertas. Era o estado-da-arte da astronomia voltada para
a navegação. Ariano Suassuna (Almanaque Armorial, ed. Carlos Newton Júnior,
Ed. José Olympio) tem um ensaio fascinante (“Olavo Bilac e Fernando Pessoa: uma
presença brasileira em Mensagem?”) sobre dois poemas a respeito da Escola de
Sagres, um de Olavo Bilac e outro de Pessoa. Ariano sugere, com argumentos
convincentes, que os poemas de Pessoa sobre o Infante D. Henrique e a Escola,
no único livro que publicou sob seu nome (Mensagem, 1934) foram influenciados pelo brasileiro.
Uma literatura brasileira de Fantasia Heróica ou de FC
Retroativa (ambientada no passado) pode recorrer com proveito a esse banco-de-dados.
Autores de língua inglesa usam constantemente
a mitologia arturiana, céltica, bretã, etc. Primeiro porque faz parte de sua
herança cultural e todo mundo tem o direito de se sentir pertencente a alguma
tradição épica e heróica. Segundo,
porque sua própria literatura já cultiva isso há séculos, e há um
know-how adquirido (e uma familiaridade com nomes, temas e situações, da parte
do leitor) que não é de se jogar fora.
Se um autor brasileiro usa a fantasia ibérica, a pegada
heróico-mitológica é a mesma – toda mitologia é feita para ativar os mesmos
arquétipos através de um panteão diferente. Mas acima de tudo ela dá a esse autor lendas e
episódios específicos, paisagens específicas, correspondências reais
específicas da História e da Geografia, que para um leitor de língua inglesa (a
maioria desses autores nacionais sonha com o mercado estrangeiro, e tem todo o
direito de sonhar) pode significar um leve estranhamento inicial mas depois
entraria como um trunfo que a fantasia arturiana não tem, o trunfo do novo num
mercado saturado.
Um comentário:
Bráulio, não achei outro lugar para perguntar isso. O que você acha do Steampunk, de autores como Kevin J. Anderson?
Saudações,
Izaias
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