O soneto já foi
um símbolo da poesia brasileira. Virou sinônimo de parnasianismo, bacharelismo
vazio, salões de festa. O ícone da poesia engessada, vestindo sobrecasaca,
cartola e pince-nez. No entanto, poetas de temperamento menos pomposo, como
Manuel Bandeira, Drummond, Vinicius de Morais, Marcus Accioly, Glauco Mattoso,
quebraram qualquer elo que pudesse existir entre a forma “soneto” e a temática
ou inflexão parnasiana. Em todo caso, o soneto está muito longe de ser um
modelo já esgotado. Brian Staveley (num artigo aqui: http://tinyurl.com/qzfom2m) lembra uma
teoria interessante, e que tem certo fundamento.
Ele diz que o
que caracteriza formalmente o soneto é ser composto de 14 versos, que podem vir
dispostos em blocos de 4-4-3-3 linhas, no modelo italiano, ou 4-4-4-2, no
modelo inglês. Mas o soneto tem um componente essencial, que é a
virada (“the turn”). É uma mudança perceptível na narração, exposição,
reflexão, que vinha sendo feita até então, uma virada que leva o poema noutra direção. Segundo ele, no
soneto italiano essa virada ocorre entre o oitavo e o nono versos; no inglês,
entre o décimo-segundo e o décimo terceiro.
O artigo dá exemplos
de bonitos sonetos de Edna St. Vincent Millay onde vemos o soneto ter um
enunciado contínuo ao longo dos dois quartetos, e, ao passar para o primeiro
terceto, mudar de ponto de vista, ou mudar para um segundo termo de comparação,
mudar a enunciação vocal... Ocorre nesse ponto uma virada, de variada natureza,
no que vinha sendo dito. E de fato no soneto inglês essa relação rítmica entre
as estrofes faz com que as três quadras iniciais tenham um enunciado “A” e as
duas linhas finais fornecerem o enunciado “B”. Não é uma regra geral: mas não é
difícil achar exemplos, pois é um recurso frequente, uma maneira de evitar a
monotonia pela repetição de estrutura.
Sem ser obrigatória, a “virada” é característica.
Pegando a obra de um sonetista de primeiro time como Augusto dos Anjos, vemos
essa dobrada-de-esquina bem clara em sonetos como “O Morcego” (em “Pego de um
pau. Esforços faço...”), “Idealismo” (“Pois é mister que para o amor
sagrado...”), “Soneto II ao pai” (“E saí para ver a natureza!”), “Versos
íntimos” (“Toma um fósforo. Acende teu cigarro!”). São momentos em que o fluxo
do poema nitidamente sofre um corte cinematográfico, vira uma esquina noutra
direção. A divisão do soneto em quatro estrofes cria essa pausas artificiais
(impostas pelo modelo) que podem se tornar pausas naturais, ou “quebras”
naturais, que servem ao poeta como sinalizadores do momento melhor para a
entrada de um novo elemento, uma nova idéia ou emoção.
Um comentário:
Muito massa. Muito bom esse texto, clareou certas ideias antigas...
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