quinta-feira, 19 de janeiro de 2012

2770) FC tupiniquim (19.1.2012)




(http://bit.ly/zikEvD)

Como escrever literatura de ficção científica no Brasil? Este problema não é muito diferente do problema que deve ter se colocado a muitos escritores dos séculos 17 e 18 que queriam apenas escrever literatura brasileira, não importa sobre o quê, mas que fosse escrita no Brasil e sobre o Brasil. Havia alguns milhares de intelectuais formados em Coimbra e sei lá onde mais, cheios de ambições literárias, querendo cantar em prosa e verso aquele mundo bárbaro e fascinante. Liam grego e latim, tinham estudado Camões, Virgílio, Homero. Queriam escrever sobre o Brasil, e ser lidos pelos brasileiros.

Esses escritores-em-projeto tinham como instrumento uma tradição literária basicamente portuguesa e européia, e eram forçados a usar essa tradição para refletir uma realidade, a do Brasil dessa época, que deve em muitos momentos ter lhes parecido intraduzível, irreproduzível através daquele instrumento. A começar pelo fato de que, naquela época, a língua falada nas ruas e nas casas do Brasil não era propriamente o português de Camões e do Padre Vieira, o português que os literatos aprendiam nas universidades e nos claustros. O Brasil desse tempo era um fervilhar de feitorias, engenhos, fazendas e arraiais cheios de gente seminua e analfabeta, falando em nheengatu, a famosa “Língua Geral” criada pelos jesuítas. Fazer literatura assumindo o ponto de vista daquela gente bárbara era uma missão impossível para aqueles literatos. O que fazer, então? Prolongavam a literatura portuguesa, usando suas formas, seus estilos, seus gêneros, seus temas, sua linguagem. Essa literatura, principalmente a poesia, era uma espécie de verniz verbal que recobria a realidade rude, e resolvia para os autores o problema da auto-expressão. De Gregório de Matos aos inconfidentes, foi este precário equilíbrio que ajudou a produzir uma poesia brasileira. (A prosa, no sentido que a vemos no romance, ainda engatinhava.)

Há alguma semelhança entre essa situação e a situação do escritor-fã de FC no Brasil, porque ele também tem nas mãos um instrumento literário forjado no estrangeiro, e que para refletir o mundo que o escritor tem à sua volta precisa ser reformatado. Canibalizado. Desmanchado e recomposto. O erro do escritor brasileiro de FC é achar que seu compromisso é o de expandir a FC que aprendeu a amar como leitor. Talvez seu dever seja o de explodir essa literatura, enxertá-la de contradições capazes de gerar atrito e fagulha em contato com formas de pensar, de falar e de agir que inexistiam no mundo de quem gerou o mundo das espaçonaves, das viagens no tempo, dos impérios galácticos, das catástrofes cósmicas, dos super heróis.

7 comentários:

Bruno Holmes Chads disse...

O mesmo poderia ser dito em relação à Literatura Fantástica. Como escrever contos onde o tema do 'Estranho' apareça mas num ambiente brasileiro? Às vezes parece-me que esse tema e o tipo de problemática que ele envolve têm como pano de fundo uma realidade bastante diferente da nossa. Por exemplo, se nos países berço dessa literatura a pobreza é algo distante dos olhos da maioria dos cidadãos, então a contradição que produziria a experiência do 'estranho' no Brasil onde a pobreza é visível deve ser de outra ordem. Em suma, o Fantástico numa realidade onde a contradição é visível na tão marcante diferença de classes se difere do Fantástico onde a contradição parece ser de natureza psicológica.

Daniel disse...

Acabou de chegar "A Máquina Voadora" aqui em casa, vou começar a ler!

Braulio Tavares disse...

Bruno, a lista de coisas "estranhas" deixada por Freud tem coisas bem primordiais, básicas, humanas, pois se referem à presença da morte, à existência do além, à desagregação do eu, e assim por diante. Não está na "plataforma gráfica" que tem a ver com culturta, vida social; está no sistema operacional da nossa primeira mente.

Braulio Tavares disse...

Daniel, a "MV" não é um livro isento de qualidades, imagino. E tem uma idéia e uma ambientação que me agradam.

Daniel disse...

Como expectador de cinema, detesto o cinema carioca, o cinema novo, não consigo me identificar. Acho que esse é o grande problema do cinema Brasileiro, essa obsessão pelo Nelson Rodrigues, por tragédias e famílias disfuncionais, tudo isso devido a necessidade e vontade de criar uma identidade cinematográfica Brasileira desvinculada do cinema Americano e ligeiramente inspirada no cinema de arte europeu. Aprecio em demasiado a cultura nordestina e o sertão do Guimarães Rosa, acho que existem possibilidades infinitas para o escritor do gênero de FC e fantasia, e não há por quê não existir uma literatura fantástica com elementos nacionais, mas sem esse ranço que existe no cinema do Jabor e outros.

Eric M. Souza disse...

Bruno Holmes disse:
"Por exemplo, se nos países berço dessa literatura a pobreza é algo distante dos olhos da maioria dos cidadãos, então a contradição que produziria a experiência do 'estranho' no Brasil onde a pobreza é visível deve ser de outra ordem."

Isso explicaria a pobreza ser frequente em minha obra (nas palavras da resenha do Rocky Raccoon sobre o livro, "a condição miserável das pessoas comuns")? Nunca soube ao certo o que mudou no processo de construção que minhas litfans sempre saem com questionamentos às instituições (políticas, sociais, religiosas) e com um retrato da condição miserável, e pensei que fosse por minha influências fortes de romances históricos. Seria, então, por eu ser brasileiro?

Peu disse...

Eu sempre pensei nisso, quer dizer, todo mundo sabe que o capitalismo, a globalização, o avanço tecnológico, etc, trouxeram vários avanços à humanidade, embora isso possa ser questionado, tais avanços nunca chegaram, nem chegarão, a todas as pessoas e lugares. Penso que a fc brasileira devia se preocupar exatamente com isso, o que daria um viés político, uma crítica social aos textos que os colocaria em pé de igualdade com a melhor fc do mundo.