sexta-feira, 2 de setembro de 2011
2651) BR-61 (2.9.2011)
“Sacrifica-me um filho”, disse Deus a Abraão,
e ficou à espera do “por quê?”,
mas Abraão era filósofo e apressou-se a obedecer.
Uma pira funerária foi erguida na montanha,
e o rapaz foi amarrado e untado de banha.
O facão no esmeril soltou chispas multicores,
e nisso Deus apareceu,
mediante rodas, labaredas e rumores.
“Pra que essa faca, Abraão!”, exclamou com voz assustada.
E o outro: “Oxente, Senhor! Não mandastes sacrificar esse camarada?”.
E Deus: “Mandar mandei, mas não falei em facão nenhum!
Libera o boy para ele ir ganhar a vida na BR-61!”.
Pior foi Samuel Caolho
que, com uma crise de pressão alta,
foi expulso de noite do Abrigo da Melhor Idade.
Saiu com meio litro de mineral com gás, um caderno sem pauta,
dois cobertores, um gorro, e um borderô do Ecad;
uma ratoeira, um par de havaianas, dois iogurtes vencidos,
um pacote de balas de café, seis jornais ainda não lidos,
uma sombrinha amarela e um postal de Trancoso.
Perguntou a Horácio Difícil onde podia arranjar um pouso.
O outro olhou o relógio digital, lembrou que era domingo,
limpou a garganta e apontou com o cachimbo:
“Mano, um intelectual como você dormindo aqui nesse futum?
Vá pra Central e pegue o primeiro ônibus pra BR-61!”.
Certo, mas Marquinho Cabuêta falou pra Zezim Azul:
“Herdei uma muamba daquela virada do caminhão baú.
Cinquenta caixas de livros! De auto-ajuda, de foguete,
de receita de bolo, de vendedor pitbull, e o cacete.
Livro grande, livro pequeno, livro fino, livro grosso,
é livro a dar com um pau, tô de livro até o pescoço!
Tem Paulo Coelho, vampiro, O Flanelinha de Cabul,
mas me diz o que é que eu faço com esse tal de Harold Bloom!”
E Zezim: “Não tem mistério, e só estender uma lona no acostamento da BR-61”.
Foi aí que o sétimo filho, na vigésima-quinta hora,
pregou na cara o segundo rosto
e chamou a décima vítima, que esperava lá fora.
Mostrou a ela a terceira onda e a vigésima posição;
ela passou a quinta marcha e pegou o sétimo céu com a mão.
Mas chegando no oitavo círculo, ela ligou o sexto sentido...
e viu o síndico olhando os dois com um binóculo invertido,
tomando Schin numa lata de Brahma, comendo farofa de atum.
E ela disse: “Não, não estou aqui pra ser a primeira dama
nem a nona sinfonia, eu vou é me mandar pra BR-61”.
Visto isto, o Maratonista Slowmotion chutou o pau da barraca;
decidiu tocar fogo no circo e dar a volta por cima na urucubaca.
Ordenou ao empresário que triplicasse o cachê,
e que só fechasse shows em cidades começando com C.
O empresário teve um tal susto que caiu através do piso.
Foi parar no andar térreo, onde funcionava o Café e Bar Valparaíso.
Desmagnetizou o cartão de crédito e quebrou as lentes de contato,
mas incluiu o preço de tudo numa alínea do contrato.
Então o Maratonista disse: “Fica frio que eu te faço meu sócio,
porque tem horas que o improviso é a alma do negócio.
Canta comigo: yo-ho-ho-e-uma-garrafa-de-rum!
Assunga a cueca e vamo simbora, porque hoje o show é na BR-61!”
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3 comentários:
Boa, Braulio.
cara, essa é as do Dylan!
Clap, clap, clap!
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