terça-feira, 28 de setembro de 2010

2358) Inventores de palavras (28.9.2010)




Guimarães Rosa, compulsivo criador de neologismos, comenta no segundo prefácio de Tutaméia (são quatro ao todo!), intitulado “Hipotrélico”, a nobre arte de inventar palavras. 

Dá exemplos ilustres: Cícero inventou “qualidade”, Comte “altruísmo”, Stendhal “egotismo” (ou “egoísmo”), Guyau “amoral”, e por aí vai. 

Na vereda aberta pelo mestre, tenho anotado também inventores e invenções como Oliver Wendell Holmes (“anestesia”), Santos Dumont (“aeroporto”), Sir Francis Galton (“eugenia”), Goethe (“morfologia”), Thomas Huxley (“agnóstico”, “biogênese”), John W. Campbell (“hiperespaço”), William Gibson (“ciberespaço”), Montaigne (“ensaio”, no sentido literário), Gelett Burgess (“blurb”, aqueles textozinhos de propaganda, bem chamativos, que surgem nas capas e contracapas dos livros).

Dito assim até parece que é função dos escritores, e somente deles, a criação de palavras novas. Ilusão trêda! Os exemplos acima são em sua maioria de cientistas ou filósofos que precisam de um termo novo para batizar uma atividade (mesmo que apenas mental) nova. Surgem numa esfera superior do raciocínio e do discurso. Mas não são de jeito nenhum o único laboratório em que palavras novas são forjadas ou são renascidas por desvio de contexto. 

E o próprio Rosa (visitem Tutaméia, tem mais coisas do que no Louvre) dá numerosos exemplos de como as palavras são geradas por gente comum, gente do povo, inclusive citando termos divertidos criados pelos doidos de quem ele cuidou em Barbacena, nos seus tempos médicos. 

E compare-se esse extenso levantamento com o famoso parágrafo de “São Marcos”, em Sagarana onde ele fala que “as palavras têm canto e plumagem”, e dá uma Golconda de exemplos.

Quem inventa as palavras, então? Os dicionaristas? Os filósofos? Os doidos? Direi eu que algumas pessoas nascem com o dom de inventar palavras plausíveis (atentem para esta importante distinção). 

Eu posso inventar a palavra “ductopesgante” para descrever a sensação de pegar um pedaço de fita durex enrolado sobre si próprio; mas quem me garante que essa palavra vai grudar? Provavelmente não, porque foi feita aleatoriamente, no teclado, ao invés de seguir as maneiras formativas intuitivas do idioma. 

Quando um camelô diz que um filme em 3D é em trimensão, quando um sindicalista diz que uma lei é imexível, quando um futebolista propõe uma solucionática, quando um poeta diz que está expondo coisas num monstruário, todos estão instintivamente lançando mão da alquimia interna da língua brasileira, e é por isso que reconhecemos essas palavras novas como palavras legítimas, e algumas delas se impõem.

Há escritores e eruditos que não conseguem inventar uma palavra, por mais que tentem, e há inventores de palavras que são meros lavradores, radialistas, estudantes, comerciantes, taxistas, garçons, seja lá o que for. 

Não tem nada a ver com erudição ou literatura. É uma arte em si, e graças a ela nossa Língua Geral cresce e se aperfeiçoa.





6 comentários:

Kadu Mauad disse...

Ave, palavra!

aroma, disse...

um dos melhores momentos do doc DZI Croquettes é quando elas dizem a origem de "tiete", das meninas empolgadas nos shows! Nunca imaginei que tinha sido assim! :)
as palavras voam e fogem do dono
pra tornarem-se coisas vivas
avohai.

Braulio Tavares disse...

Agora fiquei curioso, pois não vi o filme. Como foi que apareceu "tiete"?

Kadu Mauad disse...

Segundo o étimo do Houaiss, o termo é "atribuído ao hipocorístico Tiete (admiradora do cantor brasileiro Ney Matogrosso), que se generalizou como sinônimo de 1fã, a partir do final da déc. de 1970"

Vai saber...

Grande abraço, Tavares!

Braulio Tavares disse...

Essa é a versão do Houaiss. Resta saber se coincide com a dos Dzi Croquettes. Algo me diz que não.

UNI VERSOS ESMERALDINUS: VIDA E POESIA disse...

Excelente!
Eu sou um compulsivo criador de palavras. Quando não encontro o termo que me satisfaça, eu ouso criar um novo que se adeque àquilo que queira expressar. Lógico que isso deve ser um artifício usado com moderação.
Tenho defendido que ninguém cria palavras novas, mas que estas são preexistentes e cabe a nós, eruditos ou não, descobri-las.