Será possível contar uma história em apenas seis palavras? Muita gente acredita que sim.
O escritor Marcelino Freire organizou uma antologia de contos que não poderiam ultrapassar a extensão de um miniconto de Augusto Monterroso: “Quando acordou, o dinossauro ainda estava lá”.
Inadvertidamente, o antologista não estabeleceu um limite para a extensão do título – o que levou o picaresco Millôr Fernandes a bolar um título imenso, que contava a história quase toda.
Já o “conto de seis palavras” tem como modelo um miniconto atribuído a Hemingway, que diz: "For sale: baby shoes, never worn" (“Vende-se: sapatos de bebê, sem uso”). Há toda uma história de tragédia familiar por trás deste minitexto. O miniconto consiste basicamente em sugerir, não em mostrar.
O websaite da revista Wired (http://www.wired.com/wired/archive/14.11/sixwords.html) convidou dezenas de autores para produzir textos de 6 palavras com histórias de ficção científica ou fantasia.
Tem muita besteira, claro. Mas tem também algumas soluções brilhantes. Vejam este, de Eileen Gunn: “Computador? Trouxemos baterias? Alô! Computador? Computador?…” Não precisa mais nada para a gente imaginar uma nave silenciosamente à deriva no espaço, e astronautas congelados, todos com a cara de Mr. Bean.
As especulações sobre o fim do mundo também são ricas em possibilidades. Eis um exemplo de Gregory Maguire: “Nos arranha-céus calcinados, homens criaram asas”. Sugere uma II Guerra Mundial, uma inesperada mutação, uma volta-por-cima no Apocalipse. Não é pouco.
Outros fins-do-mundo são menos imaginativos, mas não menos amedrontadores: “Choveu, choveu, choveu, nunca mais parou”. Vejam que se trata de algo cientificamente impossível, uma chuva que nunca pára – o que a torna mais inquietante ainda.
Viagens no tempo são um caminho interessante para estas narrativas super-rápidas. Harry Harrison propõe esta hipótese: “MÁQUINA CHEGA AO FUTURO. Ninguém lá...”
Um recurso mais operacional, meio clichê dentro do gênero, mas eficaz nas curtas dimensões do miniconto, é a historieta de Alan Moore: “Tempo. Sem querer, inventei máquina do.” E tem a humorística hipótese de David Brin: “Dinossauros retornam. Querem petróleo de volta”.
Não multiplicarei os exemplos (no saite tem mais de 50). O interessante nestas experiências é o fato de que o autor conta com a imaginação do leitor, sua capacidade de recorrer a um banco-de-dados comum para preencher as lacunas, as partes não explicadas (não dá para explicar muito em seis palavras).
As seis palavras funcionam como um cartum, criando uma unidade de sentido que se percebe de um só relance, sem precisar ficar esmiuçando “comos” e “por quês”. As seis palavras são a ponta de um iceberg de subtexto implícito, compartilhado, lido e aprendido por autor e leitor. São como um título de livro, uma manchete de jornal: exigem que a gente seja capaz de “já saber” e também de imaginar.
2 comentários:
Belo artigo - e belos continhos que dão inveja a haikais.
Adorei o artigo��
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