Recebo muitos trabalhos enviados por amigos ou desconhecidos: livros, poemas, CDs, crônicas, etc. Quando a gente tem com o autor um certo grau de intimidade, não há problema em dar nossa opinião, quando ele a pede. Mas quando é um desconhecido, e a gente nem sabe se é um principiante ou um artista já encaminhado, é difícil saber que o que dizer. Tenho o maior medo de dizer algo tipo “olhe, Fulano, escreva mais, amadureça mais, você tem muito talento em potencial, etc.” e o cara me responder que é mais velho do que eu e tem 20 livros publicados. Onde vou enfiar a cara?
Quem mostra um trabalho tem muitas vezes a atitude de quem mostra um filho. Uma vez encontrei na rua um conhecido que não via há alguns anos. Cumprimentamo-nos, trocamos um abraço, e ele me mostrou o garoto de uns cinco anos que o acompanhava: “Olha, este aqui é o meu filho”. Olhei pro guri e disse: “Parece muito contigo”. O guri me olhou de cima a baixo e disse: “Deus me livre, meu pai é muito feio”. Rimos muito, porque o que eu tinha dito era uma mentira social, e o guri dissera a verdade pura.
Minha pergunta é: se o guri fosse feio, teria eu o direito de dizer isto? Quem mostra um fiho não está pedindo uma avaliação crítica, está pedido um gesto de aprovação, a ratificação de um vínculo afetivo. Quem tem um filho orgulha-se dele, e ponto final. Um filho é uma extensão de nós mesmos, é prolongamento futuro de nossa passagem sobre a Terra, como uma árvore plantada ou um livro escrito. Quem mostra um filho está mostrando um fato consumado, ao qual nenum juízo crítico pode se aplicar.
Mas há casos em que alguém nos mostra um CD ou um poema com outra atitude. A atitude de quem leva um carro à oficina e diz ao mecânico: “Josias, dá uma olhada nesse carburador, que ele tá meio esquisito”. Às vezes o carburador não tem nada, mas a gente só confirma isto através de Josias, que entende de carburador mais do que nós. O que a pessoa pede nestes casos é uma opinião técnica, um diagnóstico entre colegas de ofício, mesmo que um seja um mestre e o outro um aprendiz. E nestes casos, quem pede deve estar preparado para ouvir o que precisa ser dito, e que nem sempre é agradável.
Não acho que devamos julgar com rigor excessivo o trabalho alheio, principalmente de um autor jovem. Conheço muitos casos de pessoas que desistiram de uma carreira porque a primeira crítica que receberam foi devastadora demais. E todos nós sabemos de autores que começaram medíocres, mas foram crescendo por esforço próprio, e depois de muitos anos produziram obras de alto nível. Devemos ter confiança no futuro. O primeiro CD da banda, os primeiros poemas da jovem universitária, o primeiro romance do rapaz meio prolixo... o talento talvez ainda não esteja ali, mas pode despontar um dia. Não devemos afagar demais sua vaidade, mas devemos dizer: “Pode ir pra casa, e fique tranqüilo. Seu carro não tem nenhum problema. Continue dirigindo que um dia você chega lá”.
Um comentário:
Concordo. Acho também que, ao criticar um escritor, músico etc., devamos sempre ter o cuidado para não sermos desestimuladores. Mas é necessário, realmente, que o criticado tenha a humildade de escutar e ter a vontade de crescer, estudar, ler, aplicar-se (e, por que não, tendo discernimento e conhecimento, o criticado pode sim rebater a crítica. É um movimento de crescimento para os dois lados, dialético).
Parabéns, muito bom texto.
Abraço,
Érica
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