("Austerlitz", quadro de Mazurovsky)
Napoleão Bonaparte foi um dos meus ídolos da infância. Digo da infância porque, numa idade em que meus colegas liam Luluzinha e Mickey eu estava lendo Os Miseráveis de Vitor Hugo e me deleitando com a magnífica descrição da batalha de Waterloo, além de devorar os dois volumes de contos de Conan Doyle com as divertidas aventuras do Brigadeiro Gérard, um oficial napoleônico exuberante, fanfarrão, conquistador, ingênuo e suicidamente bravo, magnífico personagem que no cinema poderia ser interpretado por seu xará Gérard Depardieu. Por falar em cinema, não posso esquecer de ter comparecido ao Babilônia para ver Marlon Brando em Désirée, o amor de Napoleão e, já adolescente, ao Capitólio para ver Audrey Hepburn em Guerra e Paz (foi quando Napoleão sumiu do mapa, e Audrey passou a reinar soberana sobre meus hormônios – a Natureza é sábia).
Dias atrás, cerca de 4 mil sujeitos de mais de 20 países se reuniram no interior da República Tcheca para reconstituir a batalha de Austerlitz, ocorrida em 2 de dezembro de 1805, e que portanto estava completando dois séculos. Em Austerlitz o pequenino imperador teve uma das maiores vitórias militares de sua carreira, comandando um exército de 75 mil homens contra os 95 mil da coligação austro-russa. Napoleão fez umas manobras estratégicas cuja sutileza me escapa, e causou 25 mil baixas nos inimigos, fazendo-os bater em retirada.
Hoje, os parisienses comemoraram na Place Vendôme, onde há uma coluna feita com o bronze dos 180 canhões inimigos capturados em Austerlitz. E no local da batalha, quatro mil fãs (se há outra palavra, desconheço) da batalha encenaram o movimento das tropas, num clima de confraternização internacional e de reverência pelos milhares de mortos.
Posso estar enganado, mas se existe algum tipo de evolução na História da Humanidade (coisa de que não estou certo) ela está no fato de que a violência tende a se diluir e se sublimar em “encenações substitutivas da violência”. Socorram-me os leitores freudianos, mas parece-me que existe de fato um mecanismo qualquer em nossas mentes individuais e coletivas que contribui para que a guerra possa ser preservada em seus aspectos simbólicos, sem que haja necessidade de violência física e perda de vidas humanas. Seria mais ou menos o mesmo que ocorre com atividades como a esgrima e a capoeira, que se transformaram numa mistura de esporte, jogo, coreografia – uma mistura inofensiva, onde a beleza e a agilidade da luta original são preservadas, sem que seja preciso tirar sangue de ninguém. Há algo deste mesmo espírito no videoclip “Beat It” de Michael Jackson, onde duas gangues urbanas se defrontam e em vez de uma luta a cena se transforma num balé. Os defensores dos vídeo-games usam o mesmo argumento: a violência virtual pode eventualmente conduzir à violência verdadeira, mas na grande maioria dos casos ela a substitui, com evidentes vantagens sociais.
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