Entre 1942 e 1947, Boucher manteve uma coluna periódica no San Francisco Chronicle. Em um artigo
de 5 de maio de 1946, ele comenta duas traduções recentes para o inglês: O
Homem que Via o Trem Passar de Georges Simenon e O Estrangeiro de Albert
Camus (ambos traduzidos por Stuart Gilbert). Diz ele:
“Trata-se em essência da mesma história: a de um homem que
não consegue aceitar em seu íntimo as convenções usuais da sociedade, mas
apenas deixa-se levar por elas até que um assassinato, cometido quase por
acaso, lhe dá a chance de explodir a moldura social”. Boucher descreve Camus como “um jovem romancista
com respeitável estatura filosófica e estética, que é uma das duas
figuras-chave do curioso movimento contemporâneo francês do Existencialismo”. O
ano era 1946 – ainda não era o Camus do Prêmio Nobel; era apenas mais um jovem
escritor botando as unhas de fora.
Boucher lembra: “Camus se dedica à criação de um personagem
extraordinário, um caixa de banco na Argélia cujas reações (ou ausência delas)
apenas não são aquelas que a sociedade exige. Comentaristas do Existencialismo
parecem dar a esse personagem um valor filosófico para além da literatura; mas
ao nível do romance propriamente dito, é um retrato espantosamente bem
executado de um indiferentista em estado puro.”
De fato, o jeitão à deriva do “estrangeiro” Meursault está
somente um degrau acima de um indiferentista total, no caso o escrivão
Bartleby, de Melville, que reagia a todos os pedidos para que fizesse não
importa o que, dizendo: “Eu preferiria não fazer isto”. Meursault é meio que
uma versão pop disso, porque tem namorada, toma cerveja com amigos, se preocupa
com isso e com aquilo... Mas é como se a vida dele fosse ligeiramente irreal,
sem propósito.
Um comentário:
Excelente análise, Bráulio. O Estrangeiro é dos meus livros favoritos da literatura universal, e fiquei curioso para ler o Simenon.
Postar um comentário