sábado, 16 de junho de 2012

2898) Manipulando textos (16.6.2012)



Vejam só que episódio mais pulga-atrás-da-orelha. Philip Howard é um blogueiro que mora na ilha de Ocracoke, na Carolina do Norte. Talvez eu esteja comprando gato por lebre, e ele seja apenas mais uma farsa ou pegadinha internética; mas dessa suspeita nenhum de nós, que somos de carne e osso, escapa. Então, suponhamos que ele existe mesmo e que no seu blog relatou uma estranha descoberta (http://bit.ly/L5d9wk).

Philip estava lendo Guerra e Paz de Tolstoi, livro que pode ter mais de mil páginas, dependendo da edição. Para a mão não cansar, Philip comprou um e-reader Nook, fornecido pela cadeia de livrarias Barnes & Noble. A certa altura ele leu uma frase com um verbo estranho. A frase era: “"It was as if a light had been Nookd in a carved and painted lantern...." Mais ou menos: “Era como se uma luz tivesse sido ????? numa lanterna entalhada e com pinturas...”. Ele não entendeu essa palavra “Nookd”, mas aquilo se repetiu outra vez, e outra. A repetição confirmou sua suspeita inicial: em todo o texto daquela tradução a palavra “kindle” (que por acaso é a marca do e-book da Amazon, maior rival da B&N) havia sido substituída por “Nook”, a marca do seu próprio leitor eletrônico. Isto é mais ou menos como você abrir um e-book de História do Brasil e ver que todas as vezes que o nome de Vasco da Gama aparece ele está substituído por Flamengo da Gama.

Philip comenta: “Alguém na B&N – um funcionário de 20 anos? o Diretor Geral? – tinha programado essa substituição”. Certamente (digo eu), sem dar atenção a incidências inesperadas (e mudanças indesejadas) de outras palavras. Deve-se ter sempre cuidado com a melíflua sugestão informática: “Substituir tudo”. Metade dos meus cabelos brancos com revisão de textos devem-se a ofertas deste tipo. O problema maior, no entanto, diz Philip, é não sabermos até que ponto o texto pode ter sido manipulado.  Se eu nunca li o livro, se eu não conheço a obra de Tolstoi, não sei ler em russo...  Que tipo de segurança, de confiança, posso ter a respeito da autenticidade daquilo que estou lendo?

Até parece que foi o livro eletrônico que inventou esse tipo de insegurança, mas devem ter sido a Arte da Cópia, primeiro, a Arte da Tradução, depois, e a Imprensa, por fim. Como podemos confiar na honestidade moral e intelectual (para não falar na competência técnica) de milhões a quem coube entender, traduzir, examinar, copiar?  Cada vez que uma informação passa por uma mente humana ela é refratada, como a luz passando através da água. O livro eletrônico e seu “substituir tudo” são apenas a ampliação desse risco antigo, e a introdução de novos dilemas cruciais de ordem técnica.

2 comentários:

Unknown disse...

Faça isso não. Justamente quando eu começo a aceitar a ideia de livro digital, você publica uma coisa dessas. É para ficar desconfiado. Abraços

Braulio Tavares disse...

Livro impresso corre o mesmo risco.