Jorge Luís Borges diz que seu pai usou um tabuleiro de xadrez para ensinar-lhe “este pedacinho de escuridão grega”. Eu o conheci por volta dos doze anos, no excelente livro Nós e a Natureza – O Romance da Física de Paul Karlson, cuja reedição recomendo à Editora Globo. Zenão de Eléia (às vezes chamado “Zenon”, de onde veio o nome daquele grande armador do Guarani de Campinas e do Corinthians), que viveu no quinto século antes de Cristo, era um especialista em “botar terra” nas idéias aparentemente óbvias dos outros. Quem quiser conhecer melhor suas idéias pode olhar em: http://www.iep.utm.edu/z/zenoelea.htm.
Na verdade, Zenão propôs uma série de paradoxos, o mais famoso dos quais é conhecido como “Aquiles e a tartaruga”. Suponhamos que Aquiles decide apostar carreira com uma tartaruga numa pista de um quilômetro, e dá a ela uma pequena vantagem de cem metros. Aquiles está no ponto zero, a tartaruga no ponto 100. Ao sinal, os dois partem. Quando Aquiles cruza os primeiros cem metros, a tartaruga andou (digamos) dez. Aquiles transpõe estes dez, mas não a alcança porque no mesmo intervalo ela andou mais um metro. Quando ele transpõe este metro, ela andou dez centímetros. Ele transpõe os dez centímetros, mas aí ela andou mais um centímetro. Ele transpõe este centímetro, mas aí ela andou dez milímetros. Ele cruza esta distância, mas a tartaruga andou um milímetro a mais. Quando ele atravessa esse milímetro, a tartaruga andou um décimo de milímetro. E assim por diante. Aquiles jamais alcançará a tartaruga.
Este parábola finge provar que, se considerarmos que o Espaço e o Tempo são infinitamente divisíveis em unidades cada vez menores, precisaremos de um Tempo infinito para transpor qualquer distância de Espaço. É claro que a função de uma historieta assim é apenas ilustrar uma questão puramente matemática, porque salta aos olhos de qualquer pessoa que se você botar uma tartaruga para disputar uma corrida com um sujeito, mesmo com cem metros de vantagem, ele a ultrapassará sem problema algum. Não precisa nem ser Aquiles; pode ser até Jô Soares.
Releia o segundo parágrafo, camarada. “Aquiles” e “Tartaruga” são engodos, para dar a impressão de que basta um deles ser mais rápido do que o outro. E bastaria, se a velocidade de ambos fosse constante. O que importa a Zenão é que depois de cada etapa transposta, a velocidade dos dois na etapa seguinte diminui proporcionalmente, e a distância entre os dois continua proporcionalmente a mesma. Daí a pouco estaremos dizendo que enquanto “Aquiles” transpõe um milésimo de milímetro a “tartaruga” já avançou um décimo-de-milésimo de milímetro, e assim por diante. A esta altura, ambos estão em ultra-super-câmara-lenta. O Paradoxo de Zenão não tem relação com o movimento real dos corpos. O que ele demonstra é nossa possibilidade de inventar um número infinito de obstáculos (ou de etapas a serem percorridas) para que uma tarefa mental seja cumprida.
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