sexta-feira, 22 de abril de 2011
2537) Traduzir poesia (22.4.2011)
(Dr. Samuel Johnson)
Uma das tarefas mais educativas para ensinar a alguém as funções de linguagem (as possibilidades-de-dizer-algo contidas na linguagem) é mandar que traduzam um poema.
Isso requer que a pessoa tenha um domínio razoável dos dois idiomas, e que tenha sensibilidade para a linguagem poética. Só com isso, creio, eliminamos 90% da humanidade, mas a escassez de amostras não invalida o experimento.
São experiências espirituais que só uma minoria pode conhecer, mas, paciência, de experiências majoritárias o mundo está cheio – caso alguém as prefira.
A poesia se baseia em grande parte nas refrações do dizer. Ficou meio pomposa esta frase, mas posso explicar. Na prosa pedestre, esta que estou escrevendo agora, o sentido passa pelas palavras como a luz por uma vidraça. O que A tenta dizer é (quase) igual ao que B julga ter compreendido. Na linguagem poética, o sentido se subdivide e se irradia através daquela palavra, subdividindo-se em outros sentidos, como a luz passando através de um prisma.
Cada palavra funde suas luzes às luzes das palavras vizinhas, produzindo misturas luminosas inesperadas. Cada vez que a gente relê a frase ela parece estar querendo dizer uma coisa diferente.
Se entender isso na língua da gente já coloca um problema, o que dizer então de passar isso para outro idioma? Como ter certeza (não se pode ter; nunca) de que a leitura daqueles versos de Cecília Meireles ou de Carlos Pena Filho, em italiano ou búlgaro, vai produzir o mesmo efeito que eles tinham em português?
O sentido central de cada palavra é contaminado por contextos culturais, contextos de época, sentidos secundários ou subliminares que nos dão essa sensação de que o sujeito diz uma coisa mas pode estar dizendo outra. Dependendo de uma porção de ênfases de leitura que estão na mente do leitor, e somente ali.
O Dr. Samuel Johnson, o grande lexicógrafo inglês, disse:
“A poesia não pode ser traduzida. E portanto são os poetas que preservam os idiomas. Porque nós não nos daríamos ao trabalho de aprender outra língua se pudéssemos ter, em tradução, tudo que foi escrito nela. Mas as belezas da poesia não podem ser preservadas em nenhuma língua a não ser naquela em que foram originalmente escritas; e portanto, temos que aprender essa língua”.
Não vou tão longe quanto o doutor. Isso que ele diz é válido, mas somente para os 10% da humanidade referidos no primeiro parágrafo. Sempre penso que nunca li de verdade dois dos meus poetas preferidos. Como não sei alemão nem russo, nunca li Brecht ou Maiakóvski no original. Uma grande parte, uma parte importante da experiência estética dessa poesia continua inacessível para mim, e deve continuar, porque não tenho planos de vir a estudar essas línguas.
Não tenho a pertinácia de Ezra Pound, que se dispôs a aprender o português somente para ler Os Lusíadas, mas saber deste detalhe biográfico aumentou muito meu respeito pelas suas opiniões poéticas.
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4 comentários:
...Mas sempre há o fio...um modalizador aqui, um atitudinal ali... e aí a gente percebe por onde passou o pensamento do autor(ou autora).
Isto é algo diverso, os sentidos circulam, mesmo na nossa língua mãe,e saber o que vai na cabeça do autor naquele momento de criação ou "inspiração" fica prejudicado. Não gosto muito de pensar nessa intencionalidade do autor, mesmo quando leio traduções, prefiro pensar na intencionalidade do tradutor neste caso, porém até mesmo aí os sentidos vão circular, como já dizia Umberto Eco, o texto é do leitor a partir do momento que publicado. Até chegarmos a um sentido aceitável ao espírito devemos levar em conta o mundo do autor, as suas escolhas, sua biblioteca, bem como a nossa formação, onde vivemos, nascemos, nossos gostos, nossas escolhas, enfim é um momento contemporâneo com aquela escrita, seja traduzida ou não, em que nos vemos ligados por sentidos diversos.
Gostei desse negócio de modalizador e de atitudinal. Se for de graça, pretendo ficar usando!
:)
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